Análises de sedimentos da raia mostraram que a origem dos contaminantes é decorrente da queima de combustíveis de veículos como caminhões e carros. Mas a qualidade da água é boa para a prática de esportes aquáticos - Foto: José C. Farah

Poluição do ar afeta sedimento da Raia Olímpica da USP, mas qualidade da água é boa

Mesmo próxima ao Rio Pinheiros, raia não é contaminada por esgoto. Análises dos sedimentos identificaram contaminantes atmosféricos, oriundos da queima de combustíveis fósseis. Já a qualidade da água é boa para a prática de esportes aquáticos

18/02/2021

Ivanir Ferreira

Análises realizadas em sedimentos (material depositado no fundo das águas) retirados da Raia Olímpica da USP mostram que os poluentes encontrados não são provenientes de esgoto, como se pensava no início, devido à proximidade com o poluído Rio Pinheiros. A origem é atmosférica, especificamente da queima de combustíveis de veículos como caminhões e carros. Quanto à qualidade das águas, outras análises já indicavam que elas são próprias, inclusive, para contato primário (banho e recreação).

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Nas análises 
de material coletado em 12 pontos diferentes da raia, realizadas em laboratório do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, os pesquisadores encontraram níveis altos de compostos chamados de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), derivados da queima de combustíveis fósseis. Os achados representam também os tipos de contaminantes que estão suspensos no ar, aos quais as pessoas estão expostas em toda a área urbana da cidade.

Com um pouco mais de dois mil metros de extensão, a Raia Olímpica da USP é referência para prática de esportes aquáticos (remo, canoagem e stand up) em São Paulo. Está localizada no campus da Cidade Universitária, no Butantã, ao lado de um dos mais poluídos rios da cidade, o Pinheiros, e é frequentada (ou era, antes da pandemia) por atletas e paratletas de alto rendimento, que treinam para regatas, e por diversas pessoas, com finalidade recreativa. Em suas águas é possível observar a presença de pequeninos peixes.

A coleta das amostras de sedimento da raia foi feita em fevereiro de 2020, no período de chuvas. De lá, seguiram para o Laboratório de Química Orgânica Marinha do IO onde passaram por um processo de secagem, extração e análise de compostos orgânicos que pudessem levar à identificação e à quantificação de contaminantes. As substâncias analisadas foram esteróis, hidrocarbonetos alifáticos (AHs), hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), coliformes totais e Escherichia coli.

A avaliação de compostos orgânicos em lagos pode ser uma solução prática para o monitoramento ambiental, explica ao Jornal da USP o professor e orientador da pesquisa Rafael André Lourenço, do Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP.

Os lagos funcionam como armadilhas para esses compostos, que podem ser produzidos tanto naturalmente, pela própria vegetação do entorno da raia, pelas bactérias e algas, quanto pela ação antrópica, como na queima de combustíveis fósseis e no esgoto. Os compostos orgânicos, uma vez no lago, se depositam no sedimento do fundo onde ficam armazenados, diz.  Os resultados dessa pesquisa foram publicados na Revista Environmental Science and Pollution Research Journal. 

Rafael André Lourenço, professor e orientador da pesquisado Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP - Foto: Arquivo pessoal

Rafael André Lourenço, orientador da pesquisa e professor do Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP– Foto: Arquivo pessoal

O trabalho faz parte do projeto de iniciação científica de Júlia Blanco, estudante do 5º ano do curso de Bacharelado em Química, do Instituto de Química (IQ) da USP.  Dos compostos analisados, os HPAs provenientes da queima de combustíveis fósseis, como diesel e gasolina, se mostraram em maiores quantidades nos sedimentos coletados na raia.

Segundo o estudo, os HPAs fazem parte de uma classe de contaminantes que geram impactos importantes ao meio ambiente, pois além de estarem presentes no ar, água, solo e alimentos, também são de difícil degradação e causam problemas à saúde de humanos e outros organismos, diz o estudo. A absorção de compostos HPAs por meio da respiração e da ingestão está associada a diversos tipos de câncer em humanos e em animais, incluindo tumores de pele, mama, bexiga, fígado e próstata.

Júlia Blanco, estudante do 5º ano do curso de bacharelado em química, do Instituto de Química (IQ) da USP - Foto: Arquivo pessoal

Julia Blanco, estudante do 5º ano do curso de bacharelado em química, do Instituto de Química (IQ) da USP. Trabalho de Iniciação Científica – Foto: Arquivo pessoal

Tipos de HPAs

Com base no tamanho da molécula, os HPAs são divididos em dois grupos: aqueles com baixo peso molecular, que possuem dois ou três anéis aromáticos, e os de altos pesos moleculares, compostos de quatro a seis anéis aromáticos. Os de baixo peso molecular são oriundos de processos de queima de baixa temperatura (queima de grama e madeira, por exemplo), enquanto que os de alto peso molecular são provenientes de queimas de alta temperatura (particularmente em motores a diesel ou a gasolina).

Baseado nessa classificação, os teores de HPAs com quatro a seis anéis aromáticos foram maiores do que aqueles de HPAs com dois a três anéis aromáticos em todos os pontos da raia, ou seja, os poluentes encontrados são derivados de queima de combustíveis fósseis e chegaram ao lago por deposição atmosférica, diz Lourenço.

As concentrações desses compostos no lago representam também a grande quantidade de compostos derivados de queima de combustíveis emitida para a atmosfera por múltiplas fontes, principalmente emissão veicular e combustão de diesel, aos quais 12,3 milhões de pessoas estão expostas na cidade de São Paulo, relata o estudo.

 

Demonstração de como poluentes de origem da queima de combustíveis chegam aos ambientes aquáticos - Foto: Imagem cedida pelo pesquisador

 

Proximidade com o Rio Pinheiros

Embora estejam bem próximos um do outro, separados apenas por uma avenida (a Marginal Pinheiros), o professor Lourenço descarta a possibilidade da poluição do Rio Pinheiros alcançar a Raia Olímpica. “O refluxo das águas do Rio Pinheiros não atinge a raia em virtude da água subterrânea fluir em direção oposta [da raia para o rio]”, diz.

Outra evidência de que os compostos orgânicos não são oriundos de esgoto foram os resultados das análises de esteróis (coprostanol e colesterol). Em geral, estes são encontrados em fezes de animais mamíferos, incluindo humanos, e são utilizados como rastreadores de contaminação de sedimentos por esgoto. Quando a razão entre a concentração de coprostanol e de colesterol no sedimento é superior a 1,00, há indícios de contaminação por esgoto doméstico. O maior valor encontrado na raia para essa razão foi de 0,15, o que indica que o sedimento não estava contaminado por esgoto, explica o pesquisador ao Jornal da USP.

Dos compostos analisados, as fontes de esteróis e de hidrocarbonetos alifáticos encontrados nos sedimentos da raia foram associadas à vegetação que a circundava. Ou seja, o material particulado emitido por veículos automotores se deposita na superfície e, no caso da raia, vai para o fundo. Como não foram encontradas evidências de despejo de esgoto, foi possível correlacionar as fontes de HPAs no sedimento com deposição atmosférica, conta Lourenço.

Desde quanto era estudante da USP e usava a infraestrutura da Raia Olímpica para remar, o próprio professor Lourenço já mantinha a curiosidade em saber se o local, por estar tão próximo do Rio Pinheiros, poderia ser contaminado por algum tipo de poluente proveniente de esgoto. Tempos depois, quando já havia se formado e se tornado professor da USP, foi procurado por Julia, estudante do curso de Química, com interesse em desenvolver pesquisa voltada para a questão ambiental. Surgiu aí a oportunidades de fazer a análise dos compostos dos sedimentos da raia e, enfim, trazer respostas não só para ele, mas para todos que passam pela avenida que a margeia ou que frequentam o espaço.

Boa qualidade da água para prática esportiva

Análises indicam uma boa qualidade das águas da raia, estando própria, inclusive, para contato primário (banho e recreação). Raia Olímpica da USP – Foto: José C. Farah

O professor José Carlos Farah, diretor técnico da Raia Olímpica da USP, o Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp) – unidade da USP à qual a raia está vinculada – periodicamente solicita análises de suas águas (duas vezes ao ano). A avalição é feita pelo Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica (EP) da USP. “Os resultados sempre apontaram boa qualidade da água, estando própria, inclusive, para contato primário (banho e recreação)”, diz.

Confirmando os dados da pesquisa orientada pelo professor Lourenço, do IO, Farah explica que estudos do Instituto de Geociências (IGc) da USP já haviam indicado que o mesmo lençol freático que alimenta a raia, alimenta também o Rio Pinheiros, porém, o fluxo da água é sempre em direção ao rio. “A Raia Olímpica é cercada nas cabeceiras pelos córregos Pirajuçara e Politécnica, e margeada pelo Rio Pinheiros, que, infelizmente, são altamente poluídos. Mas felizmente nenhuma dessas águas tem contato com a raia, mesmo em períodos de chuvas intensas e transbordamentos”, diz.

Com esses resultados, as águas da raia continuam sendo consideradas adequadas para a prática e treinamento de modalidades esportivas aquáticas, avalia Lourenço. Atletas, paratletas e praticantes amadores de remo e canoagem agradecem à ciência por isso. No entanto, é bom evidenciar os riscos aos quais as pessoas continuam estando sujeitas inalando, pelo ar da cidade, os mesmo tipos de poluentes encontrados nos sedimentos das águas da raia, conclui.

Origens da Raia Olímpica

“A raia surgiu da várzea do Rio Pinheiros”, conta Farah. Segundo o professor, o terreno onde hoje está instalado o complexo da Raia Olímpica ficava na várzea do Rio Pinheiros. Quando o rio transbordava e depois voltava ao normal, formavam-se pequenos lagos. Nessa mesma época, próximo ao local, havia também um porto de areia, de onde se retirava material para a construção dos prédios da Universidade. 

“A escavação foi tão profunda que começou a brotar água do lençol freático”, diz Farah ao Jornal da USP. Depois, quando ficou definida a construção da raia, o projeto incluiu a ligação dos pequenos lagos às minas. A inauguração foi em 1973, com a realização da I Regata Internacional, com participação das equipes das Américas do Sul e do Norte.

Mais informações: e-mail rafaell@usp.br, com o professor Rafael André Lourenço; jcsfarah@usp.br, com José Carlos Farah; e julia.blanco@usp.br, com Júlia Blanco


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