A batata-doce, destaque na dieta de jovens que desejam ganhar massa muscular por ser uma fonte saudável de carboidrato, tem tido uma função social mais nobre. A batata de polpa alaranjada, que possui cerca de dez vezes mais betacaroteno que as batatas-doces convencionais, vem contribuindo para o combate à deficiência nutricional de milhões de pessoas em países subdesenvolvidos. É essa a nova cultivar brasileira que será lançada em breve pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, e pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC). A batata-doce de polpa alaranjada é resultado de uma pesquisa realizada pelas duas instituições, por meio de técnicas de melhoramento genético convencional, visando à biofortificação de alimentos para torná-los mais nutritivos. O clone IAC-1063 foi o genótipo que mais reuniu, na média, um conjunto de características nutricionais e produtivas que buscavam os pesquisadores.
“Dentre as principais cultivares existentes de batata-doce, que contêm significativa quantidade de vitaminas e minerais, a de polpa alaranjada é a que apresenta elevado teor de betacaroteno, um pigmento natural que funciona como antioxidante e é precursor da vitamina A no organismo”, explica ao Jornal da USP Fernando Angelo Piotto, professor e pesquisador do Departamento de Produção Vegetal da Esalq. Nas batatas-doces de polpa alaranjada, a concentração de betacaroteno pode chegar a 110 µg/g (microgramas de betacaroteno por grama de raízes frescas), enquanto que, na batata convencional, a de polpa branca ou creme, a concentração raramente chega a 10 µg/g. Os resultados gerados por essa pesquisa constam da dissertação de mestrado de Hellen Cristina da Silva, orientada pelo professor Piotto.
No Brasil, as batatas de pele rosada, roxa e creme, com polpa amarela ou branca, são as mais consumidas; em outros países, essas cultivares são direcionadas às indústrias alimentícias para fabricação de produtos processados como farinhas, cremes e doces. Sobre a biofortificação, o pesquisador explica que a mesma pode ser feita por meio de melhoramento genético convencional de plantas ou através da biotecnologia para geração de novas cultivares mais nutritivas.
Combate à insegurança alimentar
Vários países com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) utilizam a biofortificação para criar produtos agrícolas para suprir carências nutricionais das camadas mais pobres da população. A batata-doce biofortificada, pelo fácil manejo agronômico e alto valor nutricional, tem sido um desses incrementos de políticas públicas nutricionais. Segundo o pesquisador, a fortificação de alimentos com vitamina A e ferro é uma estratégia de alguns países da África e da América Latina para combater a deficiência de vitamina A e ferro, principalmente em crianças. Dietas com escassez de betacaroteno, ferro e zinco podem provocar anemia, redução de capacidade de trabalho, problemas no sistema imunológico, retardo no desenvolvimento e até a morte.
A pesquisa
A produção inicial de sementes foi feita a partir do cruzamento de seis cultivares diferentes. Os primeiros experimentos, entre os anos de 2016 e 2017, foram conduzidos pelo IAC, em Campinas (SP), sob a coordenação do pesquisador Valdemir Peressin, sendo as etapas posteriores, de 2018 a 2020, conduzidas pela Esalq e IAC, em áreas experimentais nas regiões de Campinas, Piracicaba (SP) e Mococa (SP).
Desses experimentos, ano a ano, a cada nova colheita, foram sendo selecionadas as melhores mudas, que foram replantadas a cada ciclo, dando origem aos 16 clones com potencial para se tornarem novas cultivares, e que possuíam as características que interessavam aos pesquisadores. As mudas originárias destes últimos clones foram replantadas no campo e posteriormente analisadas. Todos os clones tiveram bom desempenho nos testes, porém, o clone IAC-1063 se destacou na média. “Tanto nas análises individuais quanto nas realizadas em conjunto, as batatas-doces originárias destes 16 clones obtiveram resultados positivos em suas características, variando de acordo com a região e a época em que as plantas tinham sido cultivadas”, explica Piotto.
Algumas batatas-doces, por exemplo, eram mais estáveis quanto à produtividade, item importante a ser considerado no sistema produtivo porque diz respeito à adaptabilidade da planta ao ambiente e à região em que será cultivada. Outros clones continham maior teor de matéria seca, o que determina, em parte, a qualidade para consumo e também o tempo de conservação pós-colheita. Outros ainda continham menores teores de matéria seca e maiores concentrações de betacaroteno.
Ao buscar a média dessas características, os pesquisadores chegaram ao clone IAC-1063 como sendo o melhor entre os 16 analisados. O clone IAC-1063 reuniu conjuntamente alto porcentual de matéria seca nas raízes, coloração alaranjada, estabilidade de produção e sabor. “De maneira geral, esta nova cultivar possui a doçura e o sabor compatíveis às principais cultivares comerciais de batata-doce disponíveis no mercado.”
Características do clone IAC-1063
O clone da batata-doce de polpa alaranjada – IAC-1063 possui raízes alongadas e uniformes do tipo elíptico, casca avermelhada e polpa alaranjada. É rica em betacaroteno (aproximadamente 100 microgramas de betacaroteno por grama de raízes frescas) e tem um potencial produtivo superior a 35 toneladas por hectare, além de teor de matéria seca em torno de 25%. A colheita desta cultivar pode ocorrer entre 120 a 150 dias após o plantio, na primavera e no verão, e de 150 a 180 dias no outono e inverno.
Segundo o professor Piotto, neste momento, o clone IAC-1063 está em um laboratório do IAC passando por um processo de limpeza clonal para eliminação de fungos, vírus e bactérias que foram se acumulando ao longo dos plantios-testes no campo. Esse processo é importante para obtenção de ramas saudáveis para serem disponibilizadas aos produtores, o que deve ocorrer até o início de 2022. Assim, ano que vem, o consumidor poderá ver a batata-doce de polpa alaranjada nas gôndolas dos supermercados.
A tese Seleção de clones de batata-doce de polpa alaranjada, de autoria de Hellen Cristina da Silva, foi defendida em maio de 2021 sob orientação do professor Fernando Angelo Piotto.
Mais informações: e-mail fpiotto@usp.br, com o professor Fernando Angelo Piotto; hellen.cristina@usp.br, com a pesquisadora Hellen Cristina da Silva; e valdemir.peressin@sp.gov.br, com Valdemir Peressin