O que há em comum entre o sistema de ônibus descentralizado de Cuernavaca e as partículas minúsculas a que chamamos átomos? A matemática explica – Foto: Wikimedia Commons

Matemática: como os cientistas buscam padrões em um mundo aleatório

Dia 6 de maio foi comemorado o Dia Nacional da Matemática. Descubra, nessa reportagem, o que pode acontecer quando os cientistas da área, sempre preocupados em encontrar padrões, se deparam com fenômenos imprevisíveis

 12/05/2023 - Publicado há 12 meses

Texto: Denise Casatti / Assessoria de Comunicação do ICMC
Arte: Gabriela Varão

mundo aleatório da matemática pode ser um pouco diferente do que é o mundo aleatório para os demais habitantes do planeta Terra. Quando pesquisadores ou pesquisadoras das ciências exatas se deparam com o imprevisível, eles ainda acreditam que possa existir algum padrão para explicar aquele fenômeno. 

Em 1999, enquanto estava sentado em um ponto de ônibus na cidade de Cuernavaca, no México, o cientista Petr Seba, da República Tcheca, ficou intrigado: viu alguns jovens entregando tiras de papel aos motoristas de ônibus em troca de dinheiro. Descobriu que eles eram olheiros, contratados pelos motoristas para registrarem quando o ônibus à frente saía do ponto. Como trabalhavam de forma avulsa, os motoristas tentavam maximizar os lucros usando esse sistema. Assim, colocavam o pé no acelerador caso o ônibus anterior tivesse partido há muito tempo para que não fossem ultrapassados pelo próximo motorista ou, pelo contrário, reduziam a velocidade a fim de que houvesse mais passageiros esperando na próxima parada.

Para estudar matematicamente como aquele sistema aparentemente aleatório funcionava, Seba se uniu a outro pesquisador, Milan Krbálek. Eles coletaram milhares de dados de partida e chegada dos ônibus e os analisaram usando computadores. Resultado, em 2000, publicaram um artigo explicando as propriedades estatísticas daquele sistema. “O que foi observado é que, quando se media, repetidas vezes, o espaçamento entre ônibus consecutivos, se via o mesmo padrão que era observado nos níveis de energia de partículas subatômicas”, revela Guilherme Lima Ferreira da Silva, jovem pesquisador Fapesp e colaborador do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.

Imagem: Pixabay

Imagem: Pixabay

À primeira vista, o sistema de ônibus descentralizado de Cuernavaca nada teria a ver com as partículas minúsculas a que chamamos átomos. Invisíveis a olho nu, os átomos formam tudo o que nos cerca, e nada se parecem com uma esfera sólida como muitos de nós imaginamos. Na verdade, um átomo é como um sistema planetário elétrico minúsculo, composto de diversas partes ainda menores, as partículas subatômicas. Algumas delas são capazes de transportar energia, tal como os ônibus de Cuernavaca transportam passageiros.

“Em torno de 1950, vários fenômenos em física relacionados com partículas subatômicas foram observados. Mas, naquele momento, não havia matemática suficiente para poder descrevê-los e explicar o que era observado em experimentos. Nós só chegamos a uma compreensão melhor desses fenômenos no final da década de 1990 e começo dos anos 2000, devido a grandes avanços matemáticos”, explica Silva. Ele diz que essas novas ferramentas matemáticas funcionam como uma espécie de óculos. Assim, quando os cientistas usam os óculos para enxergar de perto, em nível subatômico, eles conseguem ver o padrão de níveis de energia nas partículas que moram dentro dos átomos. Ao trocar os óculos, são capazes de enxergar o mesmo padrão de espaçamento nos ônibus de Cuernavaca.

Guilherme Lima Ferreira da Silva - Foto:

Guilherme Lima Ferreira da Silva – Foto: ICMC/USP

Em busca de padrões

“A matemática trafega na lógica e no rigor. Seus objetivos amplos são encontrar ordem e estrutura em um vasto mar de objetos. É precisamente porque o mundo matemático não é aleatório que todo o empreendimento da matemática é possível”, escreve Kevin Hartnett na reportagem Como a aleatoriedade pode tornar a matemática mais fácil, publicada em inglês pela revista Quanta Magazine.

Aparentemente, pode ser um pouco contraditório imaginar que uma ciência voltada a encontrar padrões possa se desenvolver diante do desafio de compreender fenômenos que, à primeira vista, não se comportam seguindo uma ordem preestabelecida. A questão é que, para os matemáticos, até mesmo onde enxergamos uma grande bagunça, podem existir padrões, apenas ainda não fomos capazes de identificá-los.

“Uma grande parte do que se faz em matemática é isso: encontrar padrões que são, muitas vezes, inesperados. E veja que, ao encontrar padrões, a gente pode reutilizar todo um conhecimento anterior em um modelo novo, que a gente descobriu que já segue um padrão que conhecíamos bem anteriormente”, acrescenta Silva. No caso do padrão encontrado pelos pesquisadores no sistema de ônibus descentralizado de Cuernavaca, ele se repete em vários fenômenos do nosso mundo, como, por exemplo, no crescimento em colônias bacterianas, no rastro de uma chama ao queimar o papel de cigarro, nas manchas deixadas por gotas de café formando anéis, em jogos como o famoso Tetris e no embaralhamento de cartas. Tanto que esse padrão chegou até a ganhar um nome interessante: universalidade.

Fotomontagem: Jornal da USP - Fotos: Freepik, Pexels e Pxhere

Mas, será mesmo que existem conexões matemáticas subjacentes a tudo o que nos cerca? Ainda não conseguimos saber. Mas é certo que, ao nos revelar algumas dessas conexões, a matemática demonstra que podem existir padrões até mesmo onde só identificamos aleatoriedade e imprevisibilidade. Talvez, esses padrões se repitam dentro do nosso cérebro, na atmosfera do nosso planeta e no movimento das placas tectônicas.

O que sabemos é que, tal como as demais ciências, a matemática também tem muito a contribuir para que possamos continuar admirando e compreendendo o complexo mundo que nos rodeia. Então, da próxima vez que você sair de casa com um guarda-chuvas porque a previsão era de tempestade, mas sofrer com o calor do dia de Sol, lembre-se: há matemáticos muito mais preocupados com isso do que você pode imaginar.

Versão em áudio da reportagem disponível no Spotify.


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