A vitamina C é capaz de reduzir a oxidação de proteínas existentes nas células dos seres vivos, aponta estudo do Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma). Através de experimentos em laboratório sobre a velocidade desse processo, os pesquisadores descobriram indícios de que ele é mais frequente quando as células estão em locais com altas concentrações de vitamina C, como por exemplo, nas plantas. Os resultados do estudo poderão ser usados em aplicações na agricultura, para melhorar o desempenho de cultivos, e na saúde, em fórmulas para reduzir a virulência de bactérias e fungos.
O Redoxoma, sediado no Instituto de Química (IQ) da USP, é um dos Centros de Pesquisa,Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“A vitamina C, ou ascorbato, é um antioxidante bem conhecido que atua, por exemplo, como um fator associado à síntese de colágeno”, afirma o professor Luis Eduardo Soares Netto, do Instituto de Biociências (IB) da USP, que coordenou a pesquisa. “O estudo se concentrou numa reação pouco estudada, que é a redução de compostos derivados de enxofre, no caso o ácido sulfênico, que é a forma oxidada dos tióis, estruturas existentes em proteínas. A vitamina C é capaz de reduzir o ácido sulfênico, regenerando os tióis.”
Por meio de experimentos in vitro, realizados em laboratório, a pesquisa analisou oxidações que acontecem com proteínas que contém tióis. “Alguns desses tióis oxidam com muita facilidade, quando entram em contato com moléculas como as da água oxigenada (peróxido de hidrogênio)”, explica o professor ao Jornal da USP. “O produto dessa oxidação é o ácido sulfênico. Nas reações estudadas, a água oxigenada é gerada dentro das células, durante processos para obtenção de energia.”
Os testes feitos pelos pesquisadores mostraram que a vitamina C reverte esse processo de oxidação das proteínas, com o ácido sulfênico voltando a sua forma original, os tióis. “Esses tióis voltam a ter a capacidade de impedir a oxidação de moléculas existentes nas células, como o DNA e os lipídeos existentes na membrana celular”, destaca Soares Netto. O estudo calculou a velocidade da reação entre a vitamina C e o ácido sulfênico, utilizando a fórmula desenvolvida pelo pesquisador Gerardo Ferrer Sueta, da Universidad de La Republica, no Uruguai. “Os resultados mostram indícios de que essa reação acontece com mais frequência em células de seres vivos que estão em locais onde há elevada concentração de vitamina C, como por exemplo, em plantas.”
Novos papeis para a vitamina C
De acordo com o professor, os resultados do trabalho sugerem novos papéis para a vitamina C. “As plantas têm, em geral, níveis bastante altos de ascorbato, o qual tem sido relacionado ao desenvolvimento, envelhecimento e germinação das sementes”, observa. “Estamos estudando os mecanismos de redução da oxidação da enzima 1-Cys peroxirredoxina no núcleo das células das sementes pela vitamina C, que acreditamos ter um papel importante na germinação. Portanto, esse processo pode ser importante na agricultura, para melhorar o desempenho de plantas.”
Em bactérias, a enzima 1-Cys peroxirredoxina está envolvida na virulência, ressalta Soares Neo. “Num trabalho em colaboração com o grupo da professora Regina Baldini, do Instituto de Química (IQ) da USP, mostramos que se você tira o gene que codifica essa enzina da bactéria Pseudomonas aeruginosa, ela deixa de ser virulenta em camundongos”, aponta. “E o único redutor dessa enzima é o ascorbato. Portanto, esse processo pode ser relevante para saúde, ajudando a desvendar novos mecanismos associados com virulência de bactérias.”
O professor relata que os fungos patogênicos do gênero Aspergillus possuem três 1-Cys peroxirredoxinas e, até o momento, o único redutor proposto para elas é o ascorbato. “Dessa forma, a redução pode contribuir também para entender os processos ligados à virulência de fungos”, conclui. A pesquisa é descrita no artigo Reduction of sulfenic acids by ascorbate in proteins, connecting thiol-dependent to alternative redox pathways, publicado em 20 de agosto na revista Free Radical Biology and Medicine.
Sobre o consumo de vitamina C, o professor lembra que ela é responsável por vários processos no organismo, inclusive a síntese de colágeno e a redução de proteínas. “Obter vitamina C através da alimentação não tem efeitos colaterais”, ressalta. “Já quando isso é feito por meio de suplementos, é preciso cuidado”.
No IB, os experimentos sobre a velocidade da redução foram realizados pela doutoranda Valesca Anschau, que teve a colaboração de Rogério Luis Aleixo Silva, Renata Bannitz Fernandes, Carlos Tairum e do professor Luis Eduardo Soares Neo. O trabalho também teve a participação de Gerardo Ferrer-Sueta, da Universidad de La República (Uruguai), de Celisa Caldana Costa Tonoli e Mario Tyago Murakami, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), sediado em Campinas (interior de São Paulo), e de Marcos Antonio de Oliveira, do Instituto de Biociências (IB) da Unesp, em São Vicente (litoral de São Paulo).
Mais informações: e-mail nettoles@ib.usp.br, com o professor Luis Eduardo Soares Netto