A aplicação de radiação é uma técnica de conservação de acervos históricos utilizada para proteção, desinfestação e desinfecção de materiais contaminados com insetos e fungos. A historiadora Maria Luiza Emi Nagai determinou o intervalo de doses de radiação gama e feixe de elétrons necessário para proteger filmes fotográficos e cinematográficos, sem alterar a composição do material. Os resultados mostraram que a dose ideal de radiação a ser aplicada com segurança nos filmes é de 6 a 10 quilos gray (kGy) – unidade de medida que representa a quantidade de energia de radiação ionizante absorvida por unidade de massa.
O vasto acervo bibliográfico da USP conta com filmes fotográficos e cinematográficos compostos de triacetato de celulose, que é muito sensível às condições ambientais de temperatura e umidade. Umidade acima de 50% já começa a degradar os filmes em um processo chamado desacetilação. Esse processo é conhecido como “síndrome do vinagre”, porque filmes com essa composição contêm ácido acético (vinagre) em sua fórmula. Iniciada a degradação, o material começa a se desfazer, liberando o cheiro forte do ácido.
“Os filmes têm várias camadas e quando a síndrome do vinagre começa, elas começam a se desintegrar, deixando-os quebradiços”, explica Maria Luiza ao Jornal da USP. A radiação tem o poder de modificar os materiais e, nos filmes, ela atua conferindo maior resistência.
A pesquisa foi realizada durante o mestrado de Maria Luiza pelo Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen/USP), sob orientação do professor Pablo Antonio Vásquez Salvador, do Ipen.
A metodologia
Para a determinação da quantidade de radiação necessária para proteger os filmes, a pesquisadora utilizou o irradiador multipropósito de cobalto-60 do Centro de Tecnologia das Radiações do Ipen e filmes separados para descarte das bibliotecas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), ambas da USP. Foi feita uma análise seletiva de filmes que poderiam ser destruídos no processo, para entender os efeitos da radiação gama nos filmes.
Os filmes selecionados foram caracterizados e identificados por espectroscopia infravermelho (FTIR-ATR). “Eu não tinha certeza sobre a composição dos filmes, não sabia se eles eram realmente de triacetato de celulose. Precisei fazer essa análise para me certificar”, conta Maria Luiza.
Logo depois da caracterização, a pesquisadora dividiu a amostra de filmes em vários pedaços, que receberam doses de radiação. Assim, ela foi capaz de analisar os efeitos da radiação no material e entender o intervalo que não causa dano ao material, sendo responsável por ajudar na conservação. “Um dos maiores desafios foi saber quais eram os efeitos da deterioração e quais eram os da radiação”, diz.
Foi preciso levar em conta os diferentes graus de deterioração em que estavam os filmes. Até nas mesmas unidades há uma diferença porque pode ser que um dos lados tenha estado mais exposto à umidade do que o outro, por exemplo. Por isso, foi preciso levar em conta o estado da amostra para determinação do resultado.
Resultados
A pesquisa mostrou que a dose de radiação necessária para proteger o material e eliminar fungos e insetos, sem danos, é de 6 a 10 kGy. “Com o estudo, é possível constatar que a radiação promove aumento da estabilidade dos filmes, o que é positivo porque, no caso de o material estar se danificando a ponto de ser perdido em um futuro próximo, há chance de aplicar radiação para conseguir digitalizá-lo”, conclui a historiadora.
Mais informações: e-mail malunagai@usp.br, com Maria Luiza Nagai