Em seu artigo, o deputado também mencionou o fato de as universidades e a Fapesp terem uma sobra de R$ 1,5 bilhão em 2019, o que equivaleria a três vezes o orçamento da Fundação Casa, instituição de assistência a menores. Trata-se de uma comparação indevida, porque tais recursos já têm destinação e não podem ser vistos como sobra de caixa. Além disso, a menção à Fundação Casa remete à educação básica, cujos indicadores de qualidade em São Paulo não são favoráveis. Os jovens oriundos das escolas públicas têm sérias deficiências na formação acadêmica, razão pela qual as universidades paulistas foram obrigadas a criar políticas de cotas para viabilizar o acesso a um ensino superior de qualidade. Talvez o governo devesse se preocupar mais com a educação básica, em vez de tentar intervir em uma das esferas que funcionam bem em São Paulo.
Ciência se faz com pesquisa básica e requer planejamento de longo prazo. Os trabalhos são realizados por alunos de graduação, pós-graduação e pós-doutorado, e estes recebem bolsas durante o desenvolvimento de projetos que podem demorar anos para serem concretizados. Portanto, por sua natureza intrínseca, a pesquisa é uma atividade que requer tempo, cuidadoso planejamento e recursos financeiros provenientes de agências como a Fapesp. Estas verbas são muito disputadas e concedidas após rigorosa avaliação de mérito. Os projetos têm duração de vários anos e o desenvolvimento das etapas é continuamente monitorado por avaliadores externos.
Este rígido procedimento é válido para todos os projetos, sem exceção, sejam eles associados às áreas de exatas, biológicas e humanas, ou destinados para a pesquisa básica ou aplicada. As seguintes mensagens devem ficar explícitas para a sociedade: dinheiro público é tratado com muita seriedade pela comunidade científica em São Paulo, toda pesquisa relevante é apoiada, independentemente da temática, e para que esta máquina de fazer ciência de qualidade possa operar de maneira harmoniosa, planejamento é essencial.
Os esforços das universidades públicas paulistas para se tornarem mais eficientes podem ser constatados pela análise de alguns indicadores obtidos nos anuários estatísticos. Nos últimos 30 anos, o número de alunos de graduação dobrou, o de pós-graduação triplicou, a produção científica tornou-se muito mais internacionalizada e relevante, e os convênios entre universidades e empresas, financiados pela Fapesp, têm crescido exponencialmente. O fato de esta expressiva melhoria nos indicadores de produção ter sido alcançada com o mesmo número de docentes e redução do quadro de funcionários, como resultado de três PIDVs, apenas ratifica o empenho contínuo das universidades para recompor os fundos e lidar responsavelmente com os recursos públicos.
Os pesquisadores têm sua parcela de culpa, pois somente se manifestam em tempos de crise e não se comunicam de forma clara e transparente com a sociedade. Por exemplo, o papel das instituições na promoção do desenvolvimento científico e tecnológico do Estado não tem sido didaticamente explicado, assim como o fato de que, para bem cumprirem esta missão, elas precisam ter estabilidade financeira de modo a atenuar as oscilações da arrecadação do Estado em momentos de crise. As universidades públicas também poderiam se engajar mais em programas de doação, como fazem as universidades americanas, e incentivar e disciplinar a entrada de recursos privados sem desvio da liberdade científica e acadêmica.
O Projeto de Lei 529/2020 ainda está em discussão e a mensagem aos políticos deve ser clara e uníssona. A autonomia é essencial para as universidades públicas paulistas poderem se planejar e exercitar o que melhor sabem fazer: formar recursos humanos, criar conhecimentos relevantes e promover a cultura científica. Uma população mais empoderada é menos influenciada pelas redes sociais e por grupos que defendem interesses particulares dissociados do bem comum, resultando na melhoria da qualidade da democracia.