Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra a utilização dos movimentos populares de moradia como instrumento de reivindicação de políticas sociais. A tese, defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, também traz elementos para compreender as causas que levaram à deflagração de manifestações em todo o País, nos meses de maio e junho, contra a redução de políticas públicas habitacionais adotadas pelo governo interino Michel Temer.
O estudo acompanhou o processo de construção de dois conjuntos habitacionais da Cidade de Tiradentes, zona leste de São Paulo: o Florestan Fernandes e o José Maria Amaral, com perspectiva de atendimento de 496 famílias. O antropólogo Carlos Roberto Filadelfo de Aquino observou a trajetória das famílias desde o ingresso nos mutirões até a obtenção da casa própria. A pesquisa foi feita entre 2011 e 2014.
O modelo utilizado para construção foi o mutirão de autogestão (Minha Casa, Minha Vida) para famílias de baixa renda, com financiamento público gerenciado pelos próprios beneficiários. Os participantes dos movimentos tinham a responsabilidade pela compra do terreno, contratação da construtora para levantar o empreendimento e de uma assessoria técnica, além da definição e compra de todo o material de construção, desde o básico até o acabamento. O envolvimento dos moradores em todo o processo da construção resultou em maior qualidade dos materiais e barateamento do custo final das casas.
Segundo Aquino, movimentos sociais de autogestão, além de gerar ganhos econômicos, fortalece nas pessoas uma consciência de seu papel social nas lutas por seus direitos. O pesquisador relatou que era comum ouvir dos moradores que a luta não se restringia apenas à aquisição da casa própria. Era a realização de um sonho que os impulsionavam na busca de outras conquistas. “Foi através dos movimentos sociais de moradia que as famílias descobriram formas inéditas de luta, de fazer política e de reivindicação de bens, serviços e direitos que iam além da habitação”, avalia.
Constituição familiar nas lutas sociais
Uma das abordagens da pesquisa foi a compreensão da importância da família para pensar as relações entre os poderes públicos e movimentos sociais, uma vez que a família servia de “medição entre os dois polos”. O pesquisador traçou um paralelo entre os termos família e movimentos de moradia que, a seu ver, estavam intrinsecamente ligados.
O entendimento de família, nesse contexto, foi além daquelas estabelecidas por laços de consanguinidade, filiação e casamento. Abrangiam outras configurações como de amizades, parentescos distantes, união homoafetiva, solteiros e solteiras, dentre outras. Aquino verificou que era a preocupação com a família, como o destino dos filhos, por exemplo, que levava o comprometimento das mulheres com a luta para aquisição da casa própria. “A posição da mulher se destacava nos movimentos. Ela era considerada a portadora privilegiada de atributos de luta”, afirma.
Retrocesso nas políticas públicas de habitação
No Brasil, a falta de moradia sempre representou um grave problema social. Até hoje, foram poucos “os programas habitacionais voltados para o atendimento da população de baixa renda, com famílias com renda de até três salários mínimos”. Segundo o pesquisador, o momento político vivido pelo Brasil é preocupante. O governo interino de Michel Temer já sinalizou com mudanças e reduções nas políticas públicas habitacionais. Foi o caso da revogação de uma portaria que autorizava a liberação e ampliação de recursos diretamente para famílias de baixa renda organizadas em cooperativas.
A portaria que autorizava a construção de 11.000 unidades habitacionais deflagrou o início das manifestações dos movimentos em prol de moradias por todo o Brasil. Segundo o pesquisador, os movimentos sociais populares amadureceram ao longo dos anos. Em qualquer governo, da oposição ou da situação, haverá um posicionamento contra políticas que não priorizem a área.
A pesquisa A luta está no sangue: família, política e movimentos de moradia em São Paulo foi orientada pela professora Ana Claudia Duarte Rocha Marques, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da FFLCH.