Criado para aliviar a perda de renda da população afetada pela crise econômica gerada pela covid-19, há um debate público de que o auxílio emergencial de R$ 600,00 deveria ser mantido por mais tempo, podendo, ao parecer de pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária, ser financiado com recursos vindos de uma nova contribuição social emergencial sobre altas rendas. Até o momento, o governo hesita em prorrogar o benefício nesse valor; no máximo cogitam a possibilidade de concessão de R$ 200, o que levaria mais de 20 milhões de pessoas à situação de pobreza. Nove Projetos de Lei (PL) de parlamentares de oposição tramitam no Congresso Nacional sobre o tema, diferindo entre as propostas apenas o prazo que deverá se estender o auxílio do governo. A contribuição incidiria em rendas a partir de R$ 15 mil.
Esse é o assunto da Nota Técnica de número 8 da Rede de Pesquisa Solidária. O boletim da rede aponta as tendências recentes do mercado de trabalho durante a pandemia, com destaque para o crescimento das taxas de desocupação e os efeitos causados pela adoção da MP 936 – que permite redução de jornada de trabalho com corte proporcional do salário e a suspensão total do contrato de trabalho durante a pandemia do coronavírus. Também indicou caminhos para viabilizar a continuidade da Renda Básica Emergencial (RBE).
Segundo os pesquisadores da rede, o debate sobre o assunto é de enorme importância, uma vez que sua conclusão poderá ser responsável pelo agravamento maior ou menor da situação crítica de milhões de famílias que vivem em condições extremamente vulneráveis.
Continuidade da Renda Emergencial
Dada a gravidade da situação da economia e dos fortes impactos negativos sobre o emprego e a renda das famílias, há compreensão de que a RBE aprovada pelo Congresso Nacional dia 30 de março precisaria ser prolongada. Porém, de todas as propostas levadas a debate, não há indicação de fontes de financiamento. Atualmente, encontram-se em tramitação no Congresso Nacional nove PLs (PDT, PT, PSOL, DEM, PP, PSDB) solicitando extensão da RBE. Seis propõem que os benefícios sejam pagos pelo menos até 31 dezembro de 2020; um propõe renovação de três meses; outro, prorrogação até março de 2021; e, por fim, um dos projetos propõe que o auxílio seja permanente.
O mercado de trabalho e a pandemia
O mercado de trabalho foi duramente afetado pela pandemia da covid-19. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), de responsabilidade do Ministério da Economia, apontou um saldo negativo de mais de 1,067 milhão de postos de trabalho formais de março a abril; e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Contínua, mostrou um acréscimo de 4,9 milhões no contingente de desocupados no trimestre de fevereiro a abril de 2020 em relação aos anos anteriores (novembro/2018-janeiro/2019). O setor de Serviços foi o mais afetado, seguido do Comércio e Reparação e da Indústria de Transformação.
Como forma de obter um cenário mais próximo do atual, os pesquisadores da rede combinaram diversas fontes de dados – PNAD/Caged e dados do Ministério da Economia, que detectou, até o dia 26 de maio, que 8.154.997 trabalhadores formais fizeram algum tipo de acordo com seus empregadores.
Todos os cenários construídos indicam uma drástica redução da renda – com perdas maiores para aqueles que reduzem mais a jornada de trabalho e para aqueles que possuem maior renda, uma vez que o seguro-desemprego tem um valor máximo de R$ 1.813,03.
Ouça entrevista com o pesquisador Ian Prastes ao Jornal da USP no Ar:
Impactos da Renda Básica Emergencial
Pesquisadores da rede fizeram duas projeções de desemprego, com dois valores para o benefício emergencial, o de R$ 600 e R$ 200. Em um cenário em que o desemprego é de 17,1%, as perdas na renda média observadas antes da incidência da RBE apenas seriam compensadas se o benefício fosse o de R$ 600. O benefício de R$ 200 manteria a renda domiciliar per capita em 6,5% abaixo de seu patamar observado antes da pandemia e uma taxa de pobreza de 13,8%. Isso significa cerca de 20 milhões a mais na situação de pobreza do que no estimado para o cenário com o benefício de R$ 600, que teria uma taxa de pobreza de 4,0%. Acompanhe na tabela abaixo:
Contribuição Emergencial sobre Altas Rendas
Segundo a Caixa Econômica Federal, até o dia 26 de maio, 57,9 milhões de beneficiários receberam o auxílio emergencial, totalizando um valor de R$ 74,6 bilhões. Cerca de R$ 49,32 bilhões abaixo dos R$ 123,92 bilhões disponibilizados do crédito extraordinário das MPs 937/2020 e 956/2020.
Em um cenário de maior desemprego (26,6%) e maior cobertura (61,1 milhões de beneficiários), o valor mensal da RBE seria de R$ 40,5 bilhões por mês. Prorrogados por mais três meses, o total do gasto atingiria R$ 121,5 bilhões.
Embora seja um montante elevado, a proposta de uma Contribuição Emergencial sobre Altas Rendas, elaborada por Úrsula Dias, professora e pesquisadora do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, e Peres e Fábio Pereira dos Santos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), seria suficiente para cobrir esse custo. Essa contribuição incidiria sobre os rendimentos totais, isto é, a soma dos rendimentos tributáveis, exclusivos (já coletados na fonte) e isentos, onerando apenas aqueles com rendas mensais superiores a R$ 15.000 (extrato dos 10% mais ricos, conforme a distribuição dos declarantes do Imposto de Renda de Pessoa Física – IRPF).
A contribuição sobre altas rendas teria alíquotas progressivas, partindo de 10% para aqueles que tiveram rendimentos entre 15 e 40 salários mínimos (SMs), 15% para contribuintes situados entre 40 e 80 SMs e 20% para aqueles que auferiram 80 SMs. Nesse cenário, a arrecadação seria de R$ 142 bilhões, ou seja, um montante suficiente para estender a RBE de R$ 600 por até quatro meses.
A Rede de Pesquisa Solidária é uma iniciativa de pesquisadores para calibrar o foco e aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais que procuram atuar em meio à crise da covid-19 para salvar vidas. O alvo é melhorar o debate e o trabalho de gestores públicos, autoridades, congressistas, imprensa, comunidade acadêmica e empresários, todos preocupados com as ações concretas que têm impacto na vida da população. Trabalhando na intersecção das Humanidades com as áreas de Exatas e Biológicas, trata-se de uma rede multidisciplinar e multi-institucional que está em contato com centros de excelência no exterior, como as Universidades de Oxford e Chicago.
A coordenação científica está com a professora Lorena Barberia (Ciência Política-USP). No comitê de coordenação estão: Glauco Arbix (Sociologia-USP e Observatório da Inovação), João Paulo Veiga (Ciência Política-USP), Graziela Castello, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fábio Senne (Nic.br) e José Eduardo Krieger, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP (INCT-InCor). O comitê de coordenação representa quatro instituições de apoio: o Cebrap, o Observatório da Inovação, o Nic.br e o InCor.
A divulgação dos resultados das atividades será feita semanalmente através de um boletim, elaborado por Glauco Arbix, João Paulo Veiga e Lorena Barberia. São mais de 40 pesquisadores e várias instituições de apoio que sustentam as pesquisas voltadas para acompanhar, comparar e analisar as políticas públicas que o governo federal e os Estados tomam diante da crise. “Distanciamento social, mercado de trabalho, rede de proteção social e percepção de comunidades carentes são alguns dos alvos de nossa pesquisa. Somos cientistas políticos, sociólogos, médicos, psicólogos e antropólogos, alunos e professores, inteiramente preocupados com o curso da crise provocada pelo coronavírus no mundo e em nosso país”, define Arbix.
As notas anteriores estão disponíveis neste link.