
Na imaginação popular, buracos negros são objetos misteriosos que engolem tudo ao seu redor. Mas, segundo a ciência, buracos negros expulsam muito mais matéria do seu entorno, até mil vezes mais do que capturam. Entender os mecanismos que regem a ejeção e a captura de matéria por buracos negros supermassivos é o desafio de pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Em seu estudo mais recente, descrito em artigo publicado no periódico especializado Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (MNRAS), os cientistas propõem um modelo universal que explica como acontece a ejeção de matéria ao redor dos buracos negros. A pesquisa, ao abordar a ejeção de gás em alta velocidade, pode ajudar a entender a evolução das galáxias.
“A maneira como buracos negros ejetam matéria é, por mais estranho que pareça, a mesma como eles a capturam: através de um disco de gás, chamado ‘disco de acreção’, espiralando para dentro do buraco negro”, explica Daniel May, pós-doutorando em Astronomia do IAG. “Tanto a pressão da radiação luminosa do disco quanto o par de jatos de partículas às vezes criado interagem com a matéria que se acumulou ao redor do buraco negro, soprando-a para distâncias muito maiores.” Esse fenômeno é chamado de outflow.
Uma das questões que intrigam os astrofísicos é entender a origem da matéria ejetada no outflow e como ela atinge velocidades de centenas de quilômetros por segundo. Por isso, junto com o professor João Steiner – que morreu no último dia 10 de setembro e foi um dos grandes pesquisadores na área de buracos negros – além de colaboradores da Universidade Federal do ABC, da Universidade de Oxford (Reino Unido) e da Universidade de Xiamen (China), May utilizou dados de espectroscopia 3D do telescópio Gemini Norte (localizado no Havaí) para detalhar o movimento de gases ao redor do núcleo ativo da galáxia NGC 4151, uma galáxia próxima da Via Láctea que é bastante estudada.
A galáxia NGC 4151 possui um buraco negro supermassivo em seu centro, como é esperado para todas as galáxias, e a presença de um disco de acreção é justamente o que a define como uma galáxia de núcleo ativo (AGN). Há duas formas distintas de gás ao redor do AGN. A parte ionizada, exposta ao AGN e com altas velocidades, caracteriza o outflow. A parte molecular, normalmente fora da região de onde se vê o gás ionizado e com velocidades mais baixas, caracteriza o que pode vir a alimentar o AGN.

Fases do gás
“Conseguimos relacionar diferentes fases do gás, até então desconexas entre si, e encaixar suas morfologias em um único cenário”, resume May. “O que verificamos é que a estrutura molecular, mesmo parecendo ter uma dinâmica tão diferente, também faz parte do outflow. E isso muda tudo, pois passamos a ter muito mais matéria sendo soprada.”
Na NGC 4151, o gás ionizado surge da fragmentação desse gás molecular, que forma uma cavidade em torno do AGN. Esta cavidade, por sua vez, é uma bolha quente em expansão, empurrando o gás molecular para fora, enquanto se fragmenta. O gás ionizado que vem desta fragmentação é então detectado se movendo rapidamente em direções opostas, enquanto a bolha é vista somente de perfil e, por isso, em baixa velocidade.

Mas a parte mais interessante das conclusões obtidas a partir da observação da galáxia NGC 4151 é que todos esses mecanismos já haviam sido encontrados por May quando ele estudou outra galáxia, em 2017. A galáxia estudada anteriormente, NGC 1068, tem um AGN 50 vezes mais potente do que o da NGC 4151. Isso sugere que o mecanismo para desencadear o outflow não é específico de uma única galáxia, e que se aplica em galáxias de características distintas entre si.
“Levantou-se, então, uma hipótese promissora a respeito da origem do gás no outflow e como ele é jogado para fora do núcleo com tanta eficiência, o que é uma peça-chave para explicarmos como as galáxias evoluíram no Universo”, conclui May. Segundo essa hipótese, a energia para expulsar a matéria do núcleo pode vir dos momentos iniciais do outflow, uma vez que, no passado, este gás molecular em expansão estaria muito mais próximo do buraco negro.
Para o astrofísico, a verificação dessa hipótese pode acontecer com os futuros telescópios, como o ELT e o GMT, que serão capazes de “enxergar” melhor o que acontece no coração dessas galáxias e procurar diretamente por esses estágios iniciais de outflow. A pesquisa de Daniel May recebe financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os resultados do estudo são apresentados no artigo The nuclear architecture of NGC 4151: on the path toward a universal outflow mechanism in light of NGC 1068, publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society em 4 de junho.
No último dia 6 de outubro, a Academia Real das Ciências da Suécia anunciou que os cientistas Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez são os ganhadores do Prêmio Nobel 2020 de Física, por suas descobertas sobre buracos negros. Roger Penrose, professor da Universidade de Oxford (Reino Unido), demonstrou que a formação de buracos negros está relacionada com a teoria geral da relatividade. Andrea Ghez, da Universidade da Califórnia em Berkeley (Estados Unidos), e Richard Genzel, do Instituto Max Planck para Física Extraterrestre (Alemanha), identificaram um buraco negro supermassivo na Via Láctea, galáxia onde está localizado o Sistema Solar, o qual comprova a tese de Penrose.
Texto: Assessoria de Comunicação do IAG
Mais informações: e-mail dmay.astro@gmail.com, com Daniel May