Sul do Brasil tem recorde mundial de extensão de um raio: 709 quilômetros

Registro foi feito por meio de tecnologia de mapeamento de raios. O de maior extensão ocorreu entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina

 26/06/2020 - Publicado há 4 anos
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Em 31 de outubro de 2018 foi registrado, no Brasil, entre os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o raio com maior extensão já medido: 709 quilômetros – Foto: Marcos Ozanan / Fotos Públicas

O Comitê da Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciou dia 26 de junho dois novos recordes mundiais de descargas elétricas (raios). O de maior extensão, com 709 quilômetros (km), foi detectado no sul do Brasil, atingindo os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em 31 de outubro de 2018. Para efeitos comparativos: a distância entre São Paulo e Rio de Janeiro é de cerca de 430 km. O outro recorde, de maior duração, 16,73 segundos, ocorreu no norte da Argentina, em 4 de março de 2019.

A meteorologista Rachel Albrecht, professora do IAG, participou do comitê de especialistas que certificou os dois novos recordes – Foto: arquivo pessoal

Os fenômenos atmosféricos foram registrados com tecnologia de mapeamento de raios por satélite e são muito superiores às medições realizadas anteriormente nos Estados Unidos (EUA), onde um raio atingiu 321 km de extensão, e outro, na França, teve duração de 7,74 segundos.

Os 709 km equivalem à distância entre Boston e Washington, nos Estados Unidos, ou entre Londres e a fronteira na Suíça, de acordo com dados divulgados pelo comitê da OMM. Na América do Sul, a distância é equivalente à divisa do norte do Rio Grande do Sul com a Argentina, percorrendo toda Santa Catarina e adentrando o Oceano Atlântico.

A meteorologista Rachel Albrecht, professora do Departamento de Ciências Atmosféricas, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, participou do comitê de especialistas que certificou os dois novos recordes.

Segundo a pesquisadora, o fato de essas regiões serem propensas à formação de tempestades severas com enorme extensão horizontal (várias centenas de quilômetros) contribuiu para que esses recordes de distância e de tempo fossem registrados no local. “Nessas condições, uma única descarga elétrica viaja por muito tempo e por longas distâncias dentro das nuvens”, explica.

Situação semelhante ocorre no Brasil que, pelo amplo território localizado em latitudes tropicais, o torna líder mundial de incidência de descargas elétricas – 105 milhões em números absolutos de quedas de raios por ano. Porém, é uma verdade relativa pois na República do Congo (África Central), com uma área quase quatro vezes menor que o Brasil, ocorrem cerca de 95 milhões de raios.

Mapeadores geoestacionários de raios

Sobre os registros encontrados no sul do Brasil e na Argentina, Rachel acredita que ainda seja possível obter recordes maiores ainda, à medida que novas tecnologias de mapeamento espacial de raios forem surgindo. Os instrumentos utilizados nessa experiência são os mais modernos e possuem a capacidade de medir a extensão e a duração dos raios de forma concomitante: são os Mapeadores Geoestacionários de Raios (GLMs, sigla do inglês) nos satélites ambientais operacionais geoestacionários da série R (GOES-16 e 17). Estes “instrumentos registram as descargas elétricas a cada 2 mil segundos sobre todo o continente americano e oceanos adjacentes”, diz a pesquisadora.

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Os novos recordes foram submetidos à OMM por um pesquisador do Los Alamos National Laboratory, dos Estados Unidos, e foram avaliados e validados por um comitê de especialistas em Eletricidade Atmosférica do Brasil, Estados Unidos, França, China e Reino Unido.

Sobre a importância dos registros, Rachel explica que são informações valiosas do ponto de vista de segurança pública, social e climático. “Muitas vidas são ceifadas todos os anos devido a quedas de raios. Esses recordes indicam que os raios podem percorrer distâncias extremamente grandes e as pessoas devem sempre procurar abrigo quando uma tempestade se aproxima ou escutam um trovão.” As descobertas ajudam a monitorar onde há maior incidência de descargas elétricas, com qual intensidade elas ocorrem e a distância que podem percorrer. Sobre a questão climática, a pesquisadora diz que as descargas elétricas estão relacionadas às mudanças climáticas mundiais. Alguns estudos levantam a hipótese de que cada grau a mais registrado na temperatura global poderia ocasionar aumento da incidência de raios na Terra.

 

Raio

É uma descarga elétrica de grande intensidade que ocorre na atmosfera, entre regiões eletricamente carregadas. As descargas são classificadas de acordo com sua origem: da nuvem para o solo; do solo para a nuvem; e entre nuvens. O raio vem sempre acompanhado do relâmpago e do trovão, além de outros fenômenos associados. Em média, 90% das descargas totais do globo ocorrem dentro das nuvens e apenas 10% atingem o solo.

Organização Meteorológica Mundial (OMM) é uma organização internacional autorizada pelas Nações Unidas com ações e investigações relacionados a eventos atmosféricos da Terra, bem como sua interação com os oceanos, com o clima e recursos hídricos. A sede está localizada em Genebra, Suíça.

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“SOS Chuva” – aplicativo de celular

Coincidentemente, na época em que foram registrados os novos recordes de descargas elétricas, uma equipe de pesquisadores do IAG, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de outras instituições de ensino e pesquisa estava realizando experimentos de campo do projeto “SOS Chuva” na região, cujas coletas de dados resultaram no desenvolvimento de um aplicativo de celular para uso da população.

Segundo Rachel Albrecht, que também faz parte do projeto “SOS Chuva”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), os pesquisadores coletaram durante três anos informações meteorológicas sobre o ambiente de desenvolvimento de tempestades e sobre as tempestades em si nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul.

Estas informações foram usadas para desenvolver as bases científicas e parte da tecnologia necessária para implantar a previsão imediata do tempo no Brasil. Segundo Rachel, este tipo de previsão é diferente daquela vista nos telejornais, onde a previsão do tempo é para os próximos dias. A previsão imediata de tempo foca em informar com antecedência de 30 minutos a 6 horas a ocorrência de chuva, granizo, raios e até de tornados com uma precisão de 1 km.

Um dos frutos deste projeto foi o desenvolvimento do aplicativo para celular “SOSCHUVA”, que indica a intensidade e os lugares onde está chovendo e a previsão de chuva para os 20 minutos seguintes, além de alertas de chuva e raios. O aplicativo foi o vencedor da edição Ciência & Tecnologia do Prêmio Péter Murányi 2019.

 

A professora Rachel Albrecht é uma das autoras do artigo publicado na revista científica Geophysical Research Letters, da União Geofísica Americana (AGU, sigla do inglês): New WMO Certified Megaflash Lightning Extremes for Flash Distance (709 km) and Duration (16.73 seconds) recorded from Space.

Mais informações: e-mail rachel.albrecht@iag.usp.br, com Rachel Albrecht


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