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No imaginário do consumo, o lazer nos trópicos, ligado à dupla sol e praia, é comumente associado à sexualidade e às relações casuais entre viajantes ou entre viajantes e nativos. O turismo tropical, deste modo, se confunde com o turismo sexual – e esta “transnacionalização da intimidade” está presente sobretudo nos contextos de turismo balnear do Sudeste Asiático e da América Latina. Para além dos estereótipos, o antropólogo Octávio Sacramento propõe um questionamento sobre a noção de turismo sexual, procurando manter um olhar crítico que leve em conta a complexidade e o dinamismo das relações que envolvem encontros íntimos transnacionais entre visitantes e locais.
Em artigo da Revista Turismo em Análise, ele chama a atenção para duas ideias simplistas bastante difundidas: a que relaciona o turismo e a procura por sexo em viagens de lazer ou turismo, por parte do homem; e aquela a afirmar que as mulheres que se relacionam com esses homens só pretendem ganhar dinheiro com seus próprios corpos, “em um jogo que se resumiria ao ‘poder do dinheiro’ versus o ‘poder do sexo'”, nas palavras do antropólogo David Lagunas.
Para Sacramento, é preciso evitar essas visões imediatistas em relação ao tema, já que há situações de envolvimento duradouro e “inúmeros projetos conjugais e familiares, ainda que, em muitos casos, a sua gênese se situe no contexto da prostituição”. Os questionamentos do artigo são dirigidos aos estereótipos associados ao assunto, que revelam, segundo ele, uma ideologia “monetarista e sexocêntrica”, pautada na crença que os homens, ativos e dominantes, procuram sexo em uma relação, enquanto as mulheres, passivas e dominadas pelo homem, procuram romance.
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Ao longo da história, os trópicos, parte de impérios coloniais ultramarinos, tiveram sua geografia convidativa constituída como origem não só do lazer, mas do prazer erótico. Transforma-se a intimidade em verdadeiro “objeto das aspirações turísticas”, cujas seduções interculturais auxiliam na expansão do turismo de massas nas periferias tropicais.
A América Latina, explica o autor, mais precisamente Caribe, Cuba, República Dominicana e Jamaica e o Nordeste brasileiro tornaram-se os mais recentes “circuitos mundiais generificados e sexualizados de turismo”. No Sudeste Asiático, temos o exemplo da Tailândia, que, durante a guerra do Vietnã e devido à presença militar americana na década de 1960, “transformou-se em uma espécie de capital sexual global”. Porém, não se pode reduzir isso à prostituição, pois uma mulher podia permanecer com o mesmo soldado o tempo todo, habitando a mesma casa.
Para Sacramento, portanto, é preciso ter em mente o quanto esses conceitos podem ser reducionistas: muitos relacionamentos e casamentos associados às viagens de lazer masculinas não têm relação com a prostituição, sendo vinculados às “circunstâncias e sociabilidades proporcionadas pela indústria do turismo”. A palavra amor pode ter muitos significados, e é “bastante difícil estabelecer fronteiras inequívocas entre interesses afetivos, interesses materiais e outros interesses”, conclui.
Octávio Sacramento é doutor em Antropologia pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).
SACRAMENTO, Octávio. Turismo e Transnacionalização da Intimidade nos Trópicos Globais. Revista Turismo em Análise, São Paulo, v. 27, n. 2, p. 256-273, set. 2016. ISSN: 1984-4867. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rta/article/view/115726>. Acesso em: 22 ago. 2017.
Margareth Artur / Portal de Revistas da USP