Pesquisa utilizou referenciais teóricos que defendem que pessoas obesas podem ser saudáveis independentemente do peso corporal – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
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As intervenções tradicionais para o cuidado da obesidade costumam relacionar a saúde com a perda de peso. Para atingir este objetivo, elas propõem dietas e atividades físicas extenuantes. No entanto, um estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública da USP demonstrou que a perda de peso não é determinante para obter melhoras na capacidade física, na proteção cardiovascular e na qualidade de vida.
Segundo a nutricionista Mariana Dimitrov Ulian, primeira autora do artigo, o problema das intervenções tradicionais é que elas não levam a resultados sustentáveis e podem até gerar prejuízos à saúde, como depressão, insatisfação corporal e transtornos alimentares. “Nós partimos da perspectiva de referenciais teóricos que falam que pessoas obesas podem ter saúde independente do seu peso corporal”, conta a pesquisadora.
Mariana e seus colegas basearam o estudo na abordagem Health at Every Size (“saúde em todos os tamanhos” ou HAES, na sigla em inglês). Formulada nos Estados Unidos e promovida por uma organização sem fins lucrativos que é detentora da marca registrada, esta abordagem prioriza a saúde e o bem-estar físico e psicológico, independentemente do peso.
As voluntárias selecionadas para o estudo na Faculdade de Saúde Pública tinham entre 25 e 50 anos, índice de massa corporal (IMC) entre 30 e 39,9 e eram sedentárias. Para participar, não poderiam ter diabete, doença coronária ou renal nem usar remédios para emagrecimento, diuréticos ou supressores de apetite. Além disso, não poderiam fazer acompanhamento nutricional fora da intervenção proposta pelo estudo. Gestantes e nutrizes também não puderam participar.
As 58 mulheres foram divididas em dois grupos: o grupo intervenção e o grupo controle.
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A intervenção
Os pesquisadores propuseram ao grupo intervenção uma abordagem de cuidados semelhante à HAES, porém com um programa de atividades mais intenso. As mulheres deste grupo passaram por aconselhamento nutricional e atividades físicas variadas – desde dança até lutas. Elas participaram, ainda, de uma série de cinco oficinas filosóficas conduzidas por um professor com formação em filosofia e educação física, que levou temas como o desejo e a moralização da saúde para debater com as participantes.
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Além de não prescrever dieta, a intervenção não contou com nenhum tipo de restrição calórica. Em vez disso, Mariana e seus colegas estimularam as voluntárias a comer com base nos sinais de fome, planejar a alimentação e se engajarem em experiências culinárias. Nos últimos dois casos, a motivação foi um relato frequente entre as voluntárias no início da intervenção. Muitas diziam que não planejavam as refeições do dia, não levavam listas ao mercado e não gostavam de cozinhar. Outro ponto importante foi a relação entre comida e emoções..
No início da intervenção, os pesquisadores coletaram uma variedade de dados quantitativos. Mediram peso, altura, circunferência da cintura e do quadril das mulheres dos dois grupos. As voluntárias passaram por avaliações de condicionamento aeróbico, nível de atividade física e função muscular. Elas responderam a um questionário que procurava avaliar parâmetros de percepção de qualidade de vida e percepção sobre imagem corporal. Também foi avaliado o consumo alimentar das participantes. Por meio de entrevistas individuais e grupos focais, os especialistas coletaram dados qualitativos sobre as experiências dessas mulheres.
Todos esses dados foram comparados com novas medições ao final da intervenção. Não houve mudanças significativas no que diz respeito ao peso, IMC ou circunferência da cintura e do quadril. Porém, os outros dados apresentaram diferenças significativas.
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Ganhos em qualidade de vida
Após sete meses, as mulheres registraram melhoras na capacidade aeróbica e na função muscular, diminuíram o consumo de alimentos ultraprocessados, aumentaram o consumo de frutas, vegetais, hortaliças e relataram estar mais engajadas em atividades físicas fora da intervenção. Elas também passaram a identificar melhor os sinais de saciedade e ficaram mais conscientes quanto ao “comer emocional”.
Segundo a nutricionista, o estímulo às experiências culinárias também se mostrou uma ferramenta interessante. “Aumentou o interesse delas por comidas frescas, feitas em casa. Quem no começo relatou não gostar de cozinhar, no final da intervenção relatou que estava motivada com isso, que não demandava tanto tempo assim como elas imaginavam e era um jeito interessante delas diversificarem ingredientes e temperos”, conta a pesquisadora.
Embora esses resultados tenham sido verificados tanto no grupo intervenção quanto no grupo controle, as mudanças foram muito mais expressivas entre as mulheres do grupo intervenção. Além disso, essas mulheres também tiveram melhoras na percepção de imagem corporal.
“No começo da intervenção, era muito comum o peso corporal ter uma importância muito grande. Isso influenciava o valor que elas davam para si. Elas deixavam de fazer coisas, paravam de fazer atividades pelas quais se interessavam, não iam a eventos sociais, por exemplo”, diz Mariana. “E aí, no final da intervenção elas destacaram ganhos que foram além do que a gente imaginava. Desde voltar a dirigir a retomar um curso que parou de fazer porque tinha vergonha”, completa.
O estudo relatado na PLOS One fez parte da pesquisa de doutorado de Mariana no Programa de Pós-Graduação em Nutrição em Saúde Pública da FSP. Ela é orientada pela professora Fernanda Scagliusi – que também é uma das autoras do artigo – e deve defender sua tese em outubro.
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