A presença de micro-organismos contaminantes no processo de produção de etanol pode levar a perdas significativas aos produtores. O grupo de pesquisa coordenado pelo professor Carlos Alberto Labate, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, recorre a técnicas utilizadas na área médica, com alta precisão e rapidez, para identificar esses micro-organismos, o que permitirá uma rápida tomada de ação por parte das usinas.
O Brasil é o segundo maior produtor de etanol no mundo. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento, a expectativa da produção brasileira para a safra 2018/19 é de 30,41 bilhões de litros, um aumento de 11,6% em relação à safra passada. O etanol é um importante combustível de matriz renovável e é utilizado no Brasil pelos carros Flex, que representam mais de 60% da frota.
O processo de fermentação da cana-de-açúcar não ocorre em condições assépticas, e a contaminação por fungos e bactérias é frequente. Esses micro-organismos podem causar perdas no processo fermentativo, reduzindo a produção de etanol e gerando prejuízos. “Em determinados momentos, o produtor pode perder dornas [recipiente de armazenamento] de 2 até 3 milhões de litros por conta da presença de contaminantes”, explica Labate.
Em recente trabalho publicado pelo grupo foi constatado que as bactérias do gênero Lactobacillus são os contaminantes mais frequentes nesse ambiente, chegando a representar mais de 90% da população bacteriana. O monitoramento preciso dos contaminantes é fundamental para a tomada de ação correta para mitigar o problema nas usinas. “O objetivo do nosso trabalho é oferecer ferramentas rápidas para que eles possam acessar os micro-organismos presentes no processo, com grau de confiabilidade alto”, destaca o professor.
Identificação
A doutoranda Juliana Guimarães Fonseca estuda a diversidade dos contaminantes microbianos das dornas de fermentação utilizando técnicas moleculares e de espectrometria de massas, tendo como foco as bactérias do gênero Lactobacillus.
O passo inicial foi utilizar técnicas moleculares, a partir de genes conservados, para identificar micro-organismos. “Mas os métodos moleculares demandam muito tempo e muito gasto. Para as usinas, fica muito fora do que eles querem, que é um método rápido”, conta Juliana.
A espectrometria de massas surge como alternativa rápida e específica que pode ser utilizada pelas usinas. A identificação molecular é apenas necessária para a montagem do banco de dados das bactérias. Foram mais de 40 micro-organismos analisados pela doutoranda, mas a expectativa é que esse número possa aumentar, se outros grupos de pesquisa se unirem ao trabalho.
Espectrometria de massas
O método utilizado na pesquisa gera uma ‘impressão digital’ proteica do micro-organismo de interesse e pode identificá-lo em questão de minuto. “Dentro da espectrometria de massas existem diversos modelos, tanto de peças que compõem um equipamento quanto de empresas que vendem esses equipamentos. O conjunto que melhor se adequa a esse tipo de análise é o MALDI-TOF, de uma empresa alemã” explica a especialista de laboratório Thaís Regiani Cataldi, do Departamento de Genética da Esalq.
De acordo com Thaís, essa empresa teve um papel muito importante no desenvolvimento dessa tecnologia, tanto em relação ao equipamento, quanto ao software que permitisse a identificação correta do micro-organismo. “Hoje, se você for em importantes hospitais em São Paulo que possuem laboratórios bem avançados, já são feitos exames de identificação de bactérias presentes em sangue de pacientes utilizando essa técnica”, explica.
O trabalho do grupo de pesquisa foi adaptar essa metodologia para identificar micro-organismos contaminantes presente nas usinas. Mas Thaís salienta que “o trabalho da doutoranda Juliana foi muito além de simplesmente trazer uma análise que já é um sucesso numa área e aplicar na nossa. Nós tivemos um trabalho árduo no desenvolvimento de uma metodologia de preparo de amostra”, esclarece.
Aplicação do método
O grupo de pesquisa já está em fase avançada de análise, finalizando os experimentos. “A gente já conseguiu validar nossa técnica de espectrometria de massas. O poder de discriminação é muito grande. Em nenhuma das vezes uma bactéria analisada apresentou o perfil de outra bactéria”, explica Fonseca.
Essa metodologia contém as demandas mais importantes da usina: identificação precisa e rápida de micro-organismos contaminantes. No entanto, ela é uma tecnologia muito cara – aparelhos de espectrometria de massas podem chegar a custar milhões de dólares – e que exige mão de obra especializada para operar os equipamentos.
Thaís ressalta que existem soluções. “Não é preciso que todo mundo tenha um equipamento. Laboratórios multi-usuários e centrais analíticas são importantes porque é caro ter e manter esses equipamentos, e mais caro ainda é encontrar pessoas especializadas para tomar conta deles e fazer eles funcionarem bem. Mas, uma vez que você tem a infraestrutura, analisar a amostra não é caro.”
Maria Letícia Bonatelli, especial para o Jornal da USP
Mais informações: e-mail calabate@usp.br, com o professor Carlos Alberto Labate