Prisão domiciliar para as mulheres grávidas e com filhos de até 12 anos tem como objetivo principal a proteção da primeira infância

A ideia é que as crianças não tenham contato com o ambiente insalubre, cruel e sem condições ambientais e estruturais dos cárceres brasileiros

 11/08/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 04/11/2022 as 15:54
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Tornozeleira – Foto: TO
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No Brasil atualmente mais de 900 mil pessoas estão privadas de liberdade e cerca de 49 mil dessas pessoas são mulheres, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Recentemente mudanças na lei e entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) permitiram que, em alguns casos, essas mulheres cumpram pena em regime domiciliar. Para falar sobre em que situação a mulher pode obter a concessão de prisão domiciliar e qual o objetivo fundamental dessa permissão, a professora Fabiana Severi recebe nesta edição da Série Mulheres e Justiça a advogada criminalista feminista Carolina Costa Ferreira Doutora, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília e coordenadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Segundo Carolina, as prisões domiciliares são previstas na lei penal desde 1984 que sofreu recentes alterações, sendo a mais relevante a prevista no Estatuto da Primeira Infância, com o objetivo fundamental de proteção da criança de até 7 anos de idade.  Assim, diz Carolina, a prisão domiciliar foi admitida para mulheres gestantes, mulheres grávidas em qualquer período gestacional e também para mães com filhos de até 12 anos de idade, “justamente para a possibilidade de proteção da primeira infância da criança,  para que ela não tenha contato com o ambiente insalubre, cruel e sem condições ambientais e estruturais dos cárceres brasileiros. 

Prisão domiciliar não é benefício

A pesquisadora conta que em 2018 o STF julgou um habeas corpus coletivo que concedeu prisão domiciliar a todas as mulheres presas provisoriamente que tivessem filhos de até 12 anos de idade ou que gerou alteração à lei de execução penal e estendeu essa possibilidade também para mulheres condenadas. “Assim, nosso sistema jurídico possui a prisão domiciliar como alternativa ao cárcere, mas é muito importante perceber que a prisão domiciliar também é prisão, não se trata de um benefício.”

Carolina Costa Ferreira – Foto: LinkedIn

Carolina chama a atenção para o objetivo fundamental da prisão domiciliar para esse público, que é a manutenção do vínculo entre mãe e filho, entre a criança e o universo da proteção,  pensada para seu desenvolvimento de forma integral. “Por isso também é importante que as redes de proteção social estejam incluídas no cumprimento da prisão domiciliar, para que haja de fato um acolhimento e aconteça a proteção integral da criança na primeira infância.” 

No início da pandemia de covid-19 muitas organizações internacionais de direitos humanos alertaram os países com população em maior vulnerabilidade sobre o impactos da doença entre os encarcerados  e recomendaram a conversão de regimes fechados, quando possível, para a prisão domiciliar. 

No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça elaborou a recomendação nº 62 de 2020 que estabeleceu uma forma de acolher mulheres com filhos de até 12 anos de idade e mulheres gestantes dentre outros grupos vulneráveis mais suscetíveis a contaminação ou a mortalidade por covid-19 naquele momento. A pesquisadora lembra que o Brasil é um dos países que tiveram maior número de mortalidade de mulheres gestantes por covid-19, o que leva a dupla associação, cárcere e gestação, a um grau de gravidade e vulnerabilidade muito maior, o que deveria ter uma atenção mais eficiente do Poder Judiciário. 

Mesmo com essa associação, pesquisa realizada com 85 acórdãos, decisões judiciais publicadas pelo STF, foi constatado que a pandemia não foi um argumento considerado pela corte constitucional mais importante do País, pois, em 78,8% dos casos não houve a concessão da prisão domiciliar para mulheres gestantes ou com filhos de até 12 anos de idade. “Isso demonstra uma falta de perspectiva de gênero e uma falta de perspectiva de proteção integral a crianças que estão em condições de vulnerabilidade no cárcere.”

As discussões no âmbito dessas decisões, diz a pesquisadora, mostraram que os ministros não colocaram em evidência a questão da pandemia e sim questões formais e de procedimentos, “demonstrando que o poder judiciário ficou alheio à situação de emergência pública a que todos e todas estavam submetidos”. 

Segundo Carolina, esse cenário mostra a importância de sensibilizar o Poder Judiciário para questões que se refiram à proteção à primeira infância, já que o encarceramento de mulheres no Brasil, em função da política criminal relacionada a drogas, aumentou consideravelmente nos últimos 15 anos. “Temos uma população carcerária feminina composta de 62% de mulheres que estão praticando crimes relacionados ao tráfico de drogas de pequena monta, o que acaba trazendo uma condição de vulnerabilidade muito maior para as crianças e para as famílias como um todo. Assim, é importante pensar na dinâmica das prisões domiciliares, não como um benefício, mas sim como uma das outras possibilidades que o próprio sistema de justiça estabelece em relação a uma resposta penal possível para mulheres que tenham praticado crimes que não sejam considerados violentos.”

A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira - Apoio: Acadêmica Sabrina Sabrina Galvonas Leon - Faculdade de Direito (FD) da USP Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br

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