Professores da USP em Ribeirão Preto produzem novo documento sobre critérios para a reabertura da rede escolar 

O documento foi elaborado a pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo dentro do cenário atual da pandemia

 07/04/2021 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 08/04/2021 às 15:45

Em novo documento, os professores Dalton de Souza Amorim, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCLRP), Domingos Alves, da Faculdade de Medicina (FMRP) e Adriana Santos Moreno, do Programa de Pós-Graduação em Medicina (Clínica Médica) da FMRP, todos da USP em Ribeirão Preto, retomam a questão de critérios para a reabertura da rede escolar para atividades presenciais. Mas o documento, de fato, traz uma discussão mais ampla sobre o risco de transmissão na comunidade em cada cidade.

Em novembro de 2020, os professores já haviam produzido nota técnica que propunha às autoridades educacionais na cidade as condições necessárias para a reabertura da Rede Escolar Municipal para atividades presenciais durante a pandemia da covid-19. Segundo os professores, naquele momento “ainda era necessário um esforço de argumentação para mostrar que, na ausência de medidas efetivas de controle da transmissão comunitária do vírus sars-cov-2, os modelos matemáticos projetavam um agravamento da situação da pandemia na cidade e no Estado”. 

No cenário atual, de acordo com os professores, esse esforço não é mais necessário, pois a gravidade da situação é evidente por si só. “E, atualmente, esse cenário tem, de um lado, o início de disponibilidade de vacinas — ainda com perspectivas sombrias quanto ao tempo que tomará para que a porcentagem da população vacinada seja suficiente para gerar imunidade populacional. De outro, convive com a inflexão da curva do número de casos/dia que resultou no colapso do sistema hospitalar no País e em várias partes do Estado, com números recordes diários de óbitos — em um momento em que em todo o mundo a gravidade da pandemia está em declínio.” Os professores ainda lembram que o impacto da pandemia sobre a saúde e a economia é uma situação embaraçosa internacionalmente. 

O novo documento traz três componentes da atual situação da pandemia: (1) uma breve análise do momento atual, com uma discussão dos elementos causais desta situação; (2) referência a algumas das publicações mais recentes sobre carga viral em crianças e potencial de transmissão do vírus — que afetam diretamente as premissas para a tomada de decisões sobre atividades presenciais nas redes escolares; e (3) recomendações de critérios objetivos para mensurar os riscos e a segurança dessas decisões, fundamentadas nessas fontes.  

Na análise do momento atual, destaque mais uma vez para a afirmação dos professores de que a principal ferramenta para o controle da transmissão e para a redução do número de casos/dia/100.000 habitantes não é o lockdown. “Essa é, no máximo, uma medida extrema e pontual. A principal abordagem é o protocolo Tris: Testagem, Rastreamento de contatos e Isolamento de Suporte.” Segundo os professores, em nenhum momento, desde março de 2020, houve foco da gestão da pandemia pelo Estado de São Paulo no controle da transmissão por testagem e rastreamento de contato. 

Casos e positivagem para retomada de atividades presenciais nas escolas

O fato epidemiológico relevante, nesta discussão, é que a transmissão do coronavírus por assintomáticos é extremamente maior do que o presumido no Plano SP. “Isso é do conhecimento das autoridades do Estado desde o ano passado.”  Os professores apontam que estudo da FMRP indica que, para cada caso sintomático positivo deve haver 5,66 casos assintomáticos na população, que transmitem o vírus sem se dar conta do contágio, enquanto que estudo do município de São Paulo indicou 64% das crianças assintomáticas. Essa porcentagem alta fez com que, mesmo com uma letalidade relativamente baixa, a transmissão por assintomáticos seja muito maior que o esperado. Com um número absoluto de casos na população extremamente elevado, o número absoluto de internações da porção sintomática da população é igualmente elevado, obviamente permitindo antever um colapso do sistema hospitalar (especialmente nas cidades que foram “flexíveis” no contexto da pandemia) e a recordes de mortalidade acumulada. “Letalidade relativamente baixa não garante mortalidade baixa.”

Sobre a gestão da pandemia com proteção para a economia e a saúde no Estado, os professores dizem que é necessário com urgência soluções precisas que garantam o desenvolvimento econômico sustentado e a saúde da população do Estado. Para isso, apontam pontos fundamentais que precisam ser considerados na busca de soluções. 

Sobre a reabertura, os pesquisadores afirmam que o baixo investimento em todos os aspectos envolvidos significa que o preço das falhas no modelo protetivo é transferido para os profissionais e para as famílias das crianças — com as novas variantes, possivelmente para as crianças.

“Os protocolos sanitários nem sempre são suficientes, pelo volume de vírus em circulação, ou eficazes, por limitação das escolas ou por falha das pessoas no comportamento recomendado. O custo das decisões inadequadas é transferido apenas aos usuários do sistema. Por outro lado, a determinação de critérios que permitam decidir quando retomar atividades presenciais está fundamentada em premissas a relação entre o vírus sars-cov-2 e os casos de covid-19 entre crianças: impacto clínico, carga viral e transmissibilidade.”

Nesse contexto, dizem os professores, é necessário utilizar exclusivamente informações fidedignas e atualizadas. “Ao longo dos meses da pandemia, informações sobre essas premissas foram afetadas pela falta de conhecimento científico prévio, análises insuficientes ou inadequadas e, mesmo, desinformação deliberada.” 

Os professores citam a publicação na Science de carta indicando que o dr. Jonas Ludvigsson ocultou dados de crianças hospitalizadas em estudos publicados recomendando a reabertura da rede escolar na Suécia, “fato de enorme gravidade”. E, ainda, que entre os mais relevantes estudos publicados recentemente na MedRxiv, envolvendo mais de mil pacientes, e um review publicado na Lancet confirmam um dos pontos mais importantes para as tomadas de decisão sobre retomada de atividades presenciais nas redes escolares: “As crianças possuem a mesma carga viral e mesmo nível de transmissibilidade que adultos”. 

Assim, as recomendações para avaliação de riscos de reabertura da rede escolar para atividades presenciais, ainda que assumindo que todos os protocolos sanitários estão disponíveis e sejam confiáveis, precisa partir de premissas corretas sobre a dinâmica desse vírus e de seu impacto sobre a pandemia. Negação dessas premissas é garantia de que permaneceremos desnecessariamente em uma situação de colapso hospitalar em larga escala e com altos níveis de mortalidade. 

A inovação na discussão dos professores está em um heatmap ou “mapa de calor” combinando dois parâmetros da CDC (Centers for Disease Control and Prevention) dos Estados Unidos, para avaliar risco de transmissão na comunidade: (1) número de casos/7 dias/100.000 hab.; e (2) porcentagem de positivos entre os testes realizados. O limite inferior da faixa de alto risco utilizado pelo CDC para número de casos é de 100 por semana (ou cerca de 14 casos por dia) e o limite inferior da faixa de alto risco utilizado pelo CDC para a porcentagem de testes positivos é de 10%. A distribuição de um conjunto de cidades do Estado nesse mapa mostra uma situação desoladora. Não há nenhuma cidade sequer perto da zona de baixo ou médio risco de transmissão. De fato, a positividade varia de cerca de 18% a 70% e o número de casos varia de cerca de 60 por semana a quase 600. 

Os professores associam esse gráfico a recomendações para a abertura das atividades escolares: “Os protocolos sanitários nas escolas são como barreiras de contenção: assume-se que sua eficiência seja suficiente para conter um determinado volume de vírus circulando. Evidentemente, quanto maior o volume de vírus maior a probabilidade de que a escola se torne, ela mesma, fonte de transmissão em larga escala na comunidade. As barreiras de contenção do mar na Holanda são capazes de conter marés muito altas — mas não são capazes de conter um tsunami”. As cidades do Estado de São Paulo estão assustadoramente acima do limite de segurança. A abertura em larga escala de atividades presenciais deve ser seguida rapidamente de más notícias para as famílias e para os gestores. 

O que precisa ser feito, dizem os professores, de fato, é uma redução da transmissão com um processo massivo de testagem na população. Apenas essa ação permitiria alcançar rapidamente níveis seguros para reabertura das redes escolares, para a retomada da economia e a diminuição da sobrecarga sobre os hospitais. O Plano SP fracassou porque colocou a premiação de prefeitos na abertura de leitos e não na contenção da transmissão. “Reabrir as escolas para atividades presenciais nesse nível de risco deveria vir junto com a responsabilização penal de quem toma a decisão, no caso de desastre”, diz o professor Amorim. 

No final, os professores reafirmam: “O documento parte do princípio do enorme benefício emocional, acadêmico, social e de segurança alimentar da retomada de atividades presenciais”. A pergunta, portanto, passa a ser objetivamente apenas de qual seja o limite de risco para essa reabertura.

Leia a íntegra do documento aqui: Nota Técnica Mapa de calor para números de casos, porcentagem de positividade de testes e a reabertura das redes escolares_


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