Licença menstrual gera polêmica antes mesmo de ser votada no Congresso Nacional

Especialista cita exemplos de vários países para mostrar a validade da medida, mas microempresárias se mostram reticentes com adoção da lei em discussão no parlamento brasileiro

 19/04/2024 - Publicado há 2 meses     Atualizado: 04/06/2024 as 11:34
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Projeto de Lei 1.249/22 prevê licença de até três dias sem desconto no salário, para mulheres que sofrem com dores menstruais – Foto: Freepik
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A cada mês, mulheres trabalhadoras que sofrem com sintomas graves associados ao fluxo menstrual, podem obter licença médica de até três dias sem desconto do salário. Esse é, em síntese, o que prevê o Projeto de Lei 1.249/22 que está tramitando no Congresso Nacional. O texto do PL é bem simples e inclui na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a possibilidade do abono de faltas, sem a exigência de atestado. 

Luciana Romano Morilas, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, chama a atenção para o fato de que “ninguém trabalha direito com dor e indisposição”. Ou seja, o trabalhador está ali de corpo presente, mas produzindo pouco. “É muito mais inteligente deixar que esse trabalhador descanse nesse dia e volte mais motivado no dia seguinte. Mas são muito raros os empreendedores no Brasil que têm mindset para esse tipo de gerenciamento adequado da força de trabalho. Estamos bem atrasados nesse quesito,” afirma Luciana.

O PL em debate é uma proposta extremamente importante para implementar o que a Constituição Federal brasileira diz, segundo a professora. “Está escrito que homens e mulheres são iguais perante a lei e essa garantia de igualdade formal passa por perceber que se tratam de pessoas diferentes, e, portanto, com necessidades diferentes. Então, se não existe a possibilidade de ajustar os problemas de saúde que afetam exclusivamente as mulheres, é necessário que a lei garanta essa isonomia de forma material”, assegura.

Outro lado

Empresária na área financeira em Ribeirão Preto, Thaís Ribeiro possui 13 trabalhadoras em sua empresa e se mostra preocupada com uma possível aprovação do Projeto de Lei. “Não vejo nenhum benefício para as mulheres”, dispara. “O período menstrual vem desde a adolescência, caso alguma mulher tenha problemas com dores extremas, já terá procurado algum médico”. Para a executiva financeira, as mulheres já se acostumaram a “viver assim” e existem profissões que precisam das mulheres no trabalho. “Quando o profissional fica sem trabalhar, os empreendedores pagam por aquele dia e que não é uma quantia pequena”.

Vanessa Pereira Feitosa, também microempreendedora na área financeira, discorda da professora da FEA-RP e diz que, como possui apenas quatro trabalhadoras, vê um enorme prejuízo em sua empresa, caso duas delas peguem atestado. “Se todas pegarem licença na mesma semana, fecharia o estabelecimento por não ter verbas o suficiente para contratar uma folguista”, explica.

Pelo mundo 

Para defender a medida, a professora Luciana cita uma relação de países onde as mulheres já têm esse direito assegurado. Ela começa pelo Grupo MOL, uma companhia petrolífera sediada em Budapeste, Hungria, que congrega várias iniciativas sociais como o MOL Impacto e o Instituto MOL. Uma das empresas do grupo tem 55 colaboradores, dos quais 49 são mulheres. “Esse grupo, por iniciativa própria, implementou a possibilidade de que as trabalhadoras sejam dispensadas nos dias em que não se sentem bem em razão de sintomas decorrentes da menstruação e a produtividade não caiu. Muito pelo contrário, o grupo verificou aumento da satisfação no emprego”, assegura.

Ela explica que a menstruação apresenta sintomas graves para aproximadamente 15% das mulheres, ou seja, no universo dessa empresa da MOL, 7 mulheres seriam afetadas por mês. Porém, foram verificadas apenas 29 licenças durante o ano todo e parte delas em meio período. “O volume de faltas não é alto, então, o impacto em empreendedores que contam com mais mulheres no time não parece ser significativo”, pondera. 

A docente comenta que, na Espanha, lei semelhante foi aprovada em 2023 e exige atestado, apesar de não limitar a quantidade de dias. Foi o primeiro país ocidental a garantir esse direito às mulheres. Na Indonésia, o direito é de 24 dias de licença menstrual remunerada por ano. Ao redor do mundo, Japão, Taiwan, Coreia do Sul e Zâmbia também têm legislação que garante o repouso diante de sintomas graves relacionados à menstruação. A primeira legislação sobre licença menstrual vem da antiga União Soviética, onde foi introduzida em 1922.

“Em nenhum desses lugares foram reportados problemas financeiros nas empresas, principalmente porque a produtividade é mantida. É importante que os empreendedores se atentem à produtividade e não ao horário. O desejo de controle da vida dos trabalhadores acaba gerando mais problemas que vantagens e isso quase nunca é levado em conta. Trabalhadores satisfeitos produzem muito mais”, afirma Luciana, que arremata: “A possibilidade de uma pessoa que menstrua tirar licença num dia em que ela sofre com dores graves decorrentes da natureza biológica do corpo dela é uma forma muito importante de garantir a igualdade entre homens e mulheres”.

*Estagiaria sob a supervisão de Ferraz Junior


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