Mais da metade (56,1%) dos brasileiros são negros, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A realidade é que o Brasil possui a maior população negra fora da África e a segunda maior população negra do mundo, atrás apenas da Nigéria. Sabendo disso, é apenas natural que o afroturismo tenha grande participação no cenário turístico nacional. Mesmo assim, muitas pessoas não estão familiarizadas com o termo ou com as rotas turísticas atribuídas a ele.
Uma vertente do turismo cultural, o afroturismo trata do turismo com base em comunidades negras, que envolve experiências de turismo afrocentradas e busca evidenciar a participação negra na formação da nossa sociedade. Seja no meio rural ou no meio urbano, essa forma de turismo se apresenta como uma maneira de conhecer, reviver, experienciar e valorizar a cultura, a religião e a história da população negra no Brasil.
O recomeço
De acordo com Milena Manhães Rodrigues, doutoranda em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, “embora sejamos mais de 50% dos brasileiros, as memórias e legados da população e do movimento negro não costumam estar nos roteiros, nos guias, nem identificados nas placas e mapas oficiais do turismo. Mesmo na Universidade, poucas pesquisas relacionam turismo e negritude”.
Na contramão desse cenário, movimentos como Vidas Negras Importam e representações culturais como o filme Pantera Negra cada vez mais impulsionam o interesse pelo protagonismo negro nos espaços e na história. Nessa perspectiva, a professora destaca que “o afroturismo é uma importante pauta social e uma tendência mundial de mercado, inclusive no Brasil, que o estabeleceu como uma das prioridades da Embratur – Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo”.
Destinos turísticos
O afroturismo pode acontecer por diversas práticas. Uma das principais é a criação de roteiros por comunidades quilombolas e periféricas e na atuação de profissionais negros na sua gestão e realização. Essa prática “é uma atividade relacionada à reconexão com a identidade e história, reivindicando as contribuições e perspectivas negras por meio do turismo. Então envolve produtos e serviços elaborados e executados por e para pessoas negras”, explica Milena Rodrigues.
O tour Do Rosário da Liberdade é um exemplo pioneiro do afroturismo na cidade de São Paulo. Já a Rota da Liberdade percorre caminhos de negros africanos no Estado, em experiências turísticas nos quilombos do interior paulista. Outro roteiro que reconta as histórias é a Caminhada São Paulo Negra, que ampliou as experiências turísticas em diversas cidades, como Rio de Janeiro, Salvador, Boipeba, João Pessoa, São Luís, Olinda e Brasília.
Em Curitiba, é possível conhecer a história negra da cidade com o roteiro da Linha Preta; e, em Alagoas, vale participar da Andança Negra por Maceió e visitar o quilombo dos Palmares. No Rio de Janeiro, o roteiro de afroturismo mais conhecido é o da Pequena África. No Maranhão, o roteiro parte do Caminho Ancestral Centro Histórico em São Luís. Esse padrão se repete por boa parte dos Estados brasileiros, às vezes, paralelamente aos roteiros oficiais em grupos na internet.
Recomendações
Para saber mais sobre esses locais e experiências, a professora recomenda o podcast Afroturimo, o Movimento, que promove destinos afrocentrados no setor do turismo. Além disso, existe o programa de TV Afroturismo com a Brafrika Viagens, partindo de experiências que valorizam a população negra no continente e na diáspora africana pela ótica do povo preto. Ela também recomenda a websérie Nzinga: Mulheres Viajanetes, disponível no YouTube pelo canal Conectando Territórios, que traz as histórias de mulheres negras que viajam pelo mundo.
Milena Rodrigues recomenda essa experiência turística para todos. “Tornar-se um afroturista é abraçar para si a ideia de que existe uma história a ser contada, diferente da que conhecemos. Afinal, é uma oportunidade de rever estereótipos, de proteger os ritos e os espaços vulneráveis ao racismo e intolerância religiosa, de movimentar a economia e de representatividade de pessoas negras”, finaliza.
* Sob supervisão de Paulo Capuzzo