Presidente eliminou quem divulga os dados ambientais, não o problema de desmatamento

Pedro Luiz Côrtes avalia que a exoneração do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Ricardo Galvão, gerou uma série de protestos na comunidade acadêmica

 05/08/2019 - Publicado há 5 anos
Por
Logo da Rádio USP

Na última sexta-feira (3), o professor Ricardo Galvão foi exonerado da direção do Inpe, em meio a uma polêmica sobre os dados de desmatamento da Amazônia. No dia 19 de julho, em um café da manhã com jornalistas estrangeiros, o presidente Jair Bolsonaro foi questionado sobre o que pretendia fazer para combater o desmatamento na Amazônia. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já mostravam um avanço significativo no desflorestamento da região. O presidente disse que desconfiava das informações do órgão e insinuou que o diretor do Inpe poderia estar a serviço de alguma ONG – Organização Não Governamental.

Duas semanas depois, Ricardo Galvão acabou sendo exonerado do cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O desenrolar dos fatos gera uma série de protestos na comunidade acadêmica, tanto no Brasil quanto no exterior. O Ministério Público Federal declara, em nota, que demitir o diretor do Inpe por “inconformismo de dados é inaceitável”. “Em vez de lidar com o problema, o presidente Bolsonaro tentou eliminar quem divulga os dados. Isso é muito preocupante, pois pode ser a antessala de uma censura, ou da substituição de um sistema que funciona”, alega o professor Pedro Luiz Côrtes, da Escola de Comunicação e Artes (ECA) e do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), ao Jornal da USP no Ar.

O cientista explica que são basicamente três sistemas de monitoramento: Prodes, Deter-B e Terraclass. “Desta maneira, o Inpe levanta a taxa anual de desmatamento, aponta focos para melhor fiscalização, e identifica os fins da exploração ambiental. Isso é feito há mais de 30 anos. Esses dados são repassados ao Ibama, autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Se o presidente estivesse realmente preocupado com o tema, não seria “pego de calças curtas”, como afirmou em entrevista”, diz Côrtes.

O Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes) começou a operar em 1988 e realiza um inventário da perda de floresta nativa na Amazônia. Com base nestes dados, o programa calcula o desmatamento anual no bioma, levando em consideração o período de agosto a julho (por conta das nuvens, depende da estação seca para ter maior exatidão). O Prodes considera somente o desmatamento em áreas de mais de 6,25 hectares e o resultado é divulgado, na forma de estimativa, em dezembro de cada ano. Os dados consolidados são apresentados no primeiro semestre do ano seguinte.

O Deter-B foi criado em 2004 sob o nome de Deter-A como uma forma de apoio ao combate do desmatamento ilegal e da degradação da Amazônia e do Cerrado. Em 2015, o Inpe colocou em prática a nova versão do Deter, que produz diariamente alertas relativos à alteração na cobertura da floresta em áreas de, no mínimo, 1 hectare. Esses sinais, mapeados a partir de imagens de diversos satélites, são enviados diretamente para o Ibama quase diariamente.

Desenvolvido a partir de uma parceria do Inpe com a Embrapa, o TerraClass é o sistema que identifica a procedência (agricultura, pecuária, etc.) das áreas desmatadas e registradas pelo Prodes, no território da Amazônia Legal Brasileira. Também classifica somente áreas maiores que 6,25 hectares. O sistema fornece subsídios importantes para o melhor entendimento das formas de uso e cobertura da terra na Amazônia. A base de dados utilizada pelo TerraClass, são áreas de desmatamento mapeadas e publicadas pelo Projeto Prodes.

“O Inpe tem uma tecnologia que é reconhecida internacionalmente. Seus pesquisadores têm uma produção científica de altíssima qualidade, com muitas referências internacionais, em grandes revistas indexadas na Web of Science, na Scopus. Ou seja, é um corpo de conhecimento científico que é de uma qualidade irrefutável”, defende o professor. Segundo ele, Bolsonaro questiona e ameaça órgãos oficiais ligados à pasta ambiental, desde antes de assumir o governo.

“Vamos imaginar que uma pessoa, ao receber uma carta com uma notícia desagradável resolvesse culpar, matasse o carteiro por ter entregue a mensagem ao invés de lidar com o conteúdo. Foi o que o presidente fez”, conta Côrtes. Os cientistas do Inpe trabalham com informações levantadas por ferramentas reconhecidas internacionalmente por sua precisão. E uma das funções sociais deles é apresentar essa informação. “O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez algo parecido em Rondônia, quando legitimou o trabalho de madeireiros ilegais. Enquanto isso, deslegitimou o trabalho de funcionários do Ibama, que apenas cumpriam a lei”, argumenta o professor.

O subprocurador-geral da República, Nívio de Freitas, também afirma na nota que o desmatamento na Amazônia é “diretamente afetado por deficiências na cadeia de fiscalização, comando e controle” e que a “manipulação de atos estatais, com o objetivo de fins não expressos no ordenamento jurídico, são sempre ilegítimos e serão combatidos pelo Ministério Público Federal ”. Côrtes lembra que o governo, ao contrariar a própria Constituição, não tem nenhum ganho. “As atividades ilegais não dão retorno em contribuição. E menos transparência acarreta menor credibilidade internacional”, diz.

Uma das iniciativas para divulgar os levantamentos do Inpe foi a produção de pequenos documentários acerca dos biomas monitorados. O Jornal da USP no AR repecurtiu o assunto.

 

Desmatamento da Amazônia dispara em 2019

O desmatamento da Amazônia em junho de 2019 aumentou 88% em relação ao mesmo período no ano anterior, totalizando 920 quilômetros quadrados de área desmatada, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O acumulado deste ano também tem o pior registro desde 2016. O levantamento foi contestado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Tela de visualização de alertas de desmatamento do Deter na plataforma TerraBrasilis, mostrando a região do Xingu – Foto: Reprodução/Deter

O professor Wagner Costa Ribeiro, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, explicou as principais causas e possíveis consequências do aumento no desmatamento da Amazônia, além de apontar os principais agentes da derrubada da floresta da região.

Ribeiro também argumentou que o desenvolvimento tecnológico atual permite uma fiscalização em tempo real da floresta, e que o policiamento não estaria sendo feito da maneira devida por falta de vontade política.

Confira a matéria completa do professor Wagner Costa Ribeiro ao repórter André  Netto, da Rádio USP.

Logo da Rádio USP

Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.