
As perspectivas para o mercado de carbono e as mudanças climáticas e a Justiça foram temas em discussão na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes. Na arena temática sobre o Mercado de Carbono, o professor Carlos Eduardo Cerri, da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, participou das discussões sobre As perspectivas do mercado de carbono para agricultura e como A ciência e a cocriação podem alavancar o papel do agro de regenerar, descarbonizar e remover gases de efeito estufa da atmosfera. Cerri, que é coordenador do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon), expôs sua frustração por não ver, durante a COP28, uma sinalização direta dos países responsáveis por 73% das fontes de emissões de gases de efeito estufa, da queima de combustível fóssil, em negociar suas contribuições na redução dessas emissões. Para o professor, o mercado de carbono pode ser uma maneira de estimular ações nos países que mais poluem. “Esses países querem transitar o assunto para sistemas alimentares, que óbvio tem sua participação, mas é minoritária quando comparada com a queima de combustíveis fósseis. Ou seja, não estão fazendo a lição de casa.”
O professor voltou a afirmar que a agricultura, a pecuária e a silvicultura podem se tornar parte da solução nas mudanças climáticas globais. Nessas áreas, diz o professor, há uma vantagem única diante de outros setores, como o da energia, a indústria e o transporte, que podem até colaborar diminuindo a emissão de gases, mas não podem colaborar para o sequestro de carbono da atmosfera. “O nosso setor tem desafios, visto que as práticas de cultivos, tecnologias e tamanho de propriedades, por exemplo, são muito variadas, mas as oportunidades podem superar os desafios porque conseguem também o sequestro do carbono, intermediado pelas plantas naturalmente na fotossíntese.” Cerri questionou ainda a falta de investimentos para a implantação de boas práticas no setor. “O problema não está sendo atacado nesta COP. Minha expectativa era que surgissem fundos de financiamentos.”

Eduardo Brito, da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e membro do CCarbon-USP, destacou que no Brasil o maior volume de dinheiro investido na agricultura provém de financiamentos, de empréstimos que necessitam de prazo dilatado para pagamento e de juros menores e que sem essas condições é impossível haver mudança das práticas de cultivo. Deu como exemplo um pasto degradado, que pode levar entre sete e oito anos para se recuperar. “É necessário haver investimentos, público ou privado, para as intervenções.” Brito diz acreditar na ciência, na regulamentação e no financiamento como motores para a implantação de projetos colaborativos, para pessoas e por pessoas.
Daniel Vargas, coordenador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e também membro do CCarbon, apontou três pontos limitantes para a implantação do mercado de carbono: a falta de um aparato para mensurar as emissões, levando em consideração a diversidade das propriedades rurais; a falta de mecanismos regulatórios que estabeleçam a intervenção ou não do Estado, por exemplo no estabelecimento de valores nesse processo; e as condições culturais da sociedade.
No caso brasileiro, Vargas destacou ainda que seria necessário organizar uma estratégia nacional que passe pelo mercado de carbono, mas não se limite a ele. “Esse processo exige uma ciência robusta e condições políticas para estimular a produção e produtividade crescentes, abrindo espaço para que os produtos brasileiros atinjam cada vez mais o mercado internacional, contribuindo para a segurança alimentar global e criando um modelo de referência.”
Os tribunais e o clima

No painel Mudanças climáticas e tribunais: perspectivas judiciais sobre litígios climáticos, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso afirmou que as cortes devem ser proativas e possuem três papéis primordiais no cenário das mudanças climáticas: invalidar atos que sejam praticados contra a Constituição; apreciar aquilo que não foi feito corretamente; e atuar para a remediação de danos que afetam os direitos humanos. Para o ministro Barroso, o Brasil não tem deficiência de legislação em relação ao meio ambiente. “Talvez, como no resto do mundo, nós tenhamos uma dificuldade de execução da legislação, porque a questão climática exige vontade política para ser enfrentada e muitas vezes esse enfrentamento tem custos políticos. Um dos papéis do Judiciário seria o de suprir a falta de incentivo, que muitas vezes o processo político majoritário tem porque os efeitos das emissões de hoje só vão se produzir daqui a muitos anos.”
Ele acredita que a questão climática é, antes e acima de tudo, uma questão científica. “A ciência contribuiu para o diagnóstico e agora tem contribuído para a transição energética, portanto, tem que haver um investimento financeiro, científico e tecnológico para o Brasil ter condições de ser uma grande liderança mundial nessa matéria, pela sua capacidade de produzir energia renovável. Nós temos energia solar, temos energia eólica e temos biomassa.” Barroso acredita que é preciso haver uma combinação entre direito, ciência e empreendedorismo para o Brasil avançar na agenda ambiental.
No debate com as autoridades presentes, a professora Patrícia Iglecias, superintendente de Gestão Ambiental (SGA) da USP, destacou o papel fundamental nas questões climáticas que o Judiciário possui, lembrando que o acesso à Justiça está previsto desde o Princípio 10 da Declaração da Rio 92. “Entretanto, o século 20 foi marcado por ações individuais, enquanto o século 21 é fortemente marcado por direitos intergeracionais. Em relação à proteção ambiental, os litígios climáticos surgem para pressionar os Estados para ações concretas contra o aquecimento global.”
Já para o embaixador André Correa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, individualmente a política, a ciência ou a economia não conseguem juntar elementos necessários para uma ação mais rápida e efetiva, daí o papel da Justiça se tornar cada vez mais um elemento a ser incorporado no tratamento dessas questões. “Se a ciência foi a primeira a entrar nesse processo, a Justiça talvez esteja sendo o último elemento para esse complexo quebra-cabeças que temos pela frente. Infelizmente há obstáculos nesse processo, imensos interesses econômicos e legítimas preocupações com relação a um processo que pode aumentar as injustiças, aumentar as diferenças entre os países e entre as pessoas. Portanto, uma maior presença da Justiça, associada à ciência, aos governos, às instituições e à sociedade civil, possa realmente nos levar para o rumo que nós sabemos que é necessário, porque temos pouco tempo.”
Com colaboração da professora Tamara Gomes – FZEA/USP
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