Pais e filhos: amizade, superproteção e autoritarismo

De acordo com a psicóloga Fernanda Kimie Mishima, é necessário autoconhecimento e autoconfiança dos pais no entendimento de seus próprios limites para construir uma relação saudável com os filhos

 05/03/2021 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 08/03/2021 às 11:08
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Conhecimento dos próprios limites e confiança dos pais são elementos-chave para construir uma boa relação com os filhos – Arte de Lívia Magalhães sobre foto de Pixabay

 

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Dificuldades no relacionamento entre pais e filhos são comuns. Afinal, são pessoas diferentes, com ideias e pensamentos distintos. No entanto, é preciso que o amor e o respeito prevaleçam. A afirmação é da psicóloga Fernanda Kimie Tavares Mishima, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, que adianta ser necessário também autoconhecimento e autoconfiança dos pais no entendimento de seus próprios limites para construir uma relação saudável com os filhos.

Pais autoritários

Um dos comportamentos que podem prejudicar a relação familiar é o autoritarismo. Responsável pelo Serviço de Triagem e Atendimento Infantil e Familiar (Staif) do Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada (CPA) da USP, em Ribeirão Preto, Fernanda conta que a dificuldade de dialogar e o receio de não ter autoridade e ser manipulado pelos filhos fazem alguns pais serem autoritários, impositivos em suas opiniões, negligenciando pensamentos e interesses dos filhos. Dessa forma, segundo a psicóloga, os filhos se sentem “pouco amados e pouco compreendidos, inseguros, com medo de se expressar e, enquanto crianças, inibidos da curiosidade e do aprender”.

M.C.S., estudante de engenharia química, de 22 anos, que prefere não se identificar, conta que a infância com pais autoritários afetou seu relacionamento familiar a ponto de, atualmente, não considerá-los seus amigos. “Quando eu era pequena, eu tinha medo. Mais do meu pai do que da minha mãe. Mas eu tinha medo do meu pai porque ele era o tipo de pessoa tão sistemática, tão ‘a minha verdade é a absoluta’, que eu não tinha muito como fugir daquilo, como expressar outras opiniões. É tipo, ‘a casa é dele e acabou’”, explica a jovem.

O autoritarismo impediu a estudante de compartilhar acontecimentos de sua vida pessoal com os pais e, hoje, ainda morando com eles, afirma que deseja a independência o mais rápido possível. Segundo a psicóloga, diante do autoritarismo dos pais, os filhos entendem que não podem ser eles mesmos. Por isso, é preciso que os pais ouçam os diferentes questionamentos dos filhos e procurem compreendê-los, sem impor suas próprias ideias.

Pais superprotetores

Por outro lado, a superproteção também é nociva para a relação e para o desenvolvimento dos filhos. Fernanda afirma que o comportamento prejudica o amadurecimento da relação entre pais e filhos, além de impedir os pais de confiarem na capacidade dos filhos. Para Fernanda, dizer “eu superprotejo meu filho porque ele não pode ter frustração, ele não pode saber que há limites” confunde a mente da criança, “que passa a acreditar que pode tudo e suas vontades devem ser sempre respeitadas porque são as corretas”.

Para a estudante de Pedagogia L.A.F., de 22 anos, que também prefere não se identificar, ter mãe superprotetora trouxe consequências negativas para sua vida adulta, a insegurança. A jovem conta que saiu de casa no ano passado e, no início, sofreu por depender emocionalmente da mãe. Relata ter tido dificuldade em ficar longe e realizar sozinha as tarefas do dia a dia. Ter que tomar decisões e encarar o mundo sozinha deixava a estudante ansiosa, já que ela “nunca tinha feito isso antes, nunca tive essa oportunidade de poder amadurecer e crescer”. Hoje, após vencer as dificuldades, a estudante afirma ter mais autonomia.

Por isso, a psicóloga Fernanda afirma que a superproteção “falseia o amor” e mascara o “verdadeiro sentimento de gostar de alguém”. Garante ser este um comportamento que engana pais e filhos. “Não dar limites e não frustrar é um amor cruel e muito enganoso”, informa, dizendo que os pais devem, ao contrário, mostrar aos filhos que “nós todos temos limites e não podemos tudo, não sabemos tudo”. A psicóloga assegura que, ao admitir esses limites, os pais ajudam a libertar os filhos “da onipotência de serem os melhores e de acharem que são melhores em tudo”.

Pais amigos

É possível imaginar um relacionamento ideal entre pais e filhos como o de amizade. No entanto, ainda neste caso, é preciso limites. Fernanda informa ser prejudicial escolher a amizade em detrimento da relação paterna sem conseguir exercer sua função ,já que imposição de limites e instrução para conhecimento do mundo são muito importantes. Segundo a psicóloga, o excesso de amizade torna a relação igualitária e diferente do relacionamento paterno. A amizade “vem como consequência da segurança e confiança passada aos filhos”, quando os pais mostram respeito ao que o filho é.

Relacionamento amigável com os pais foi relatado pela estudante de jornalismo Luana de Camargo Pena, de 22 anos, como benéfico. “É uma sensação de segurança. Eu sei que eu posso contar com eles e eles também podem contar comigo.” Seja para pedir conselhos ou para compartilhar situações boas e ruins, Luana se sente confortável com os pais.

Um relacionamento entre pais e filhos com amizade, mas que ainda mantém a relação paternal, é benéfico para as famílias – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

A estudante ainda conta que a amizade entre eles nunca impediu os pais de exercerem autoridade. Para ela, ao invés de atrapalhar, a amizade fortalece a relação e diminui conflitos. Mesmo admitindo existir situações em que prefere compartilhar com os amigos e não com os pais, Luana diz que o contrário também acontece.

Relacionamento saudável

É necessário que os pais compreendam os defeitos e vontades diferentes dos filhos, e os respeitem. Assim também devem fazer os filhos. Segundo a psicóloga, é preciso que os pais aceitem suas próprias limitações, entendendo que não são onipotentes, não precisam saber e nem fazer tudo para seus filhos. Dessa maneira, também podem aceitar melhor as imperfeições dos filhos. Fernanda diz que, com a diminuição de exigência, o relacionamento verdadeiro acontece.

Fernanda também coordena o projeto Fênix-USP, juntamente com a professora Valéria Barbieri, da FFCLRP. O projeto oferece acolhimento e atendimentos psicológicos on-line gratuitos a crianças, pais e responsáveis durante a pandemia de covid-19. O projeto é uma iniciativa do Laboratório de Avaliação Psicológica e Intervenção Infantil, Adulto e Familiar (Lapiaf) do Departamento de Psicologia da FFCLRP. Interessados podem entrar em contato com as coordenadoras pelo e-mail projetofenixusp@gmail.com e pelas redes sociais do Fênix-USP, Facebook e Instagram, onde também são disponibilizadas mais informações sobre o projeto.


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