Mulheres negras sem diploma enfrentam uma dificuldade maior para se elegerem do que homens e mulheres brancas, além de enfrentarem constrangimentos recorrentes de cunho racista. É o que mostra o estudo Violência política de gênero e raça no Brasil, que foi publicado em 2021 por Élida Lauris, pesquisadora em direitos humanos, doutora em pós-colonialismos e cidadania global e investigadora do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, ambos na Universidade de Coimbra. No Brasil foi secretária executiva do Ministério da Mulher, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Élida é a convidada da professora Fabiana Severi, no episódio desta semana da Série Mulheres e Justiça.
Segundo Élida, no Brasil a violência política não é recente, é estrutural da história e radicalmente diferente quando as vítimas da violência são homens ou são mulheres. Apesar de as principais vítimas dos crimes mais graves, como assassinatos, serem homens, as mulheres são vítimas de um tipo de violência política muito específico. “Primeiro, elas são vítimas desproporcionais da violência política, até porque elas estão sub-representadas nos cargos políticos. Assim, elas acabam sendo duplamente vitimizadas, sofrem pela falta de oportunidades e das barreiras estruturais para ocupar os cargos políticos e, depois disso, acabam sendo as principais vítimas de uma violência política cotidiana.”
Essa violência, diz a pesquisadora, consiste nas humilhações, nas ofensas, nos ataques massivos anônimos nas redes sociais. “A principal diferença na violência política sofrida pelo homem e pela mulher tem a ver com a gravidade da intenção de quem pratica essa violência. Enquanto o homem é assassinado para ser excluído da vida política, a mulher é humilhada, com o objetivo de atingir a sua honra.” Élida dá como exemplo o caso de Marielle Franco, que mesmo depois de morta continua tendo a sua honra enxovalhada, o que acontece com o objetivo de dizer que “elas não têm lugar na política, que aquele lugar não é para elas”.
Apesar de ocuparem apenas 13% das casas legislativas municipais, estaduais e federal, as mulheres representam 31% das vítimas de ameaça e 76% das vítimas de ofensas. Com esse cenário, somado ao temor por sua integridade física que as mulheres participantes da pesquisas relataram, a professora Fabiana questiona a pesquisadora se, atualmente, existem instrumentos legais no País para garantir a segurança das mulheres no exercício de seus cargos.
Para Élida, existe um problema no Brasil de visão estrutural sobre o fenômeno da violência política e isso impediu que se tratasse de forma sistemática soluções para esse problema. “A violência política no Brasil sempre foi entendida como algo episódico ou até anedótico, com os casos de assassinatos no interior do País, em lugares remotos e, às vezes, até associados a uma ideia de faroeste. Isso sempre impediu que se visse a violência política como um problema repetitivo estrutural, que se acirra nos períodos eleitorais.”
A pesquisadora alerta que, nos últimos dois a três anos, houve um acirramento maior da violência como método para se fazer política e tornou esse fenômeno visível. A invisibilidade desse fenômeno fez com que nunca se pensasse em termos de soluções legais, protocolos e meios de responsabilização dos agressores e, também, pouco se pensou sobre direitos das vítimas da violência política e o seu tratamento.
Recentemente, diz Élida, a lei que criou os crimes contra o Estado Democrático, criou o crime de violência política, mas basicamente não define como crimes os atos de impedir, restringir, com o uso da violência, o exercício de direitos políticos de alguém. A pesquisadora cita que outros países, como a Bolívia, por exemplo, já conseguiram desenvolver uma visão sobre esse fenômeno, como fenômeno estrutural que necessita de uma atenção sistemática do Estado, e com isso já têm ensaiado outros tipos de solução. “No Brasil, o enquadramento legal da violência política é muito incipiente e mais deficiente ainda para dar conta dos problemas das violências de origem política enfrentadas pelas mulheres.”
A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP e da jornalista Rosemeire Talamone Na coordenação e edição geral: Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira – Apoio: Acadêmica Sabrina Sabrina Galvonas Leon – Faculdade de Direito (FD) da USP Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br