Intolerância marca trajetória das religiões de origem africana no Brasil

Vagner Gonçalves da Silva afirma que a repressão às religiosidades afro-brasileiras vem desde o Brasil Colônia, quando eram alvo do catolicismo; hoje, ela se faz presente por meio de outros grupos

 17/11/2020 - Publicado há 4 anos
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No mês de setembro, mais de 200 peças pertencentes a religiões de matriz africana apreendidas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro foram transferidas ao Museu da República, depois de anos de negociação. Os itens, que estavam no Museu da Polícia Civil, faziam parte da Coleção Magia Negra, assim denominada porque, na época em que foram apreendidos, entre 1889 e 1945, a intolerância a essas práticas religiosas era legitimada pelo Código Penal. 

Vagner Gonçalves da Silva, professor associado do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, explica que a repressão às religiosidades afro-brasileiras começa bem antes dessa legitimação por leis, já que “é parte constituinte da história da sociedade brasileira”. 

Desde o Brasil Colônia, essas religiosidades são alvo do catolicismo, religião obrigatória à época. No Brasil Império, tem-se as primeiras notícias de jornais de terreiros instalados em espaços urbanos. “Lembrando que o terreiro é a forma de organização negro-brasileira. A gente pode, grosso modo, chamá-lo de um templo, mas não é apenas isso. É um espaço muito mais amplo: além de práticas religiosas, envolve práticas culturais, relacionadas a uma visão de mundo, que envolve música, dança, culinária e estética”, aponta Silva. 

Durante todo esse período resgatado pelo professor, os terreiros sofreram constantes invasões por parte do Estado e da polícia. Nessas invasões é que os assentamentos, como esses objetos sagrados devem ser chamados, foram apreendidos. Segundo Silva, os assentamentos são formas com as quais as divindades são sacralizadas e constituem-se de potes, cuias, objetos litúrgicos, como ferramentas e arco e flecha, bonecas, pedras, fios de contas, dentre outros. 

O problema das apreensões, além, claro, da violência dirigida a essas comunidades, é o fato de tratar esses assentamentos, que são objetos sacralizados, como provas de crime. Com a realocação deles para o Museu da República, depois de um movimento significativo das lideranças religiosas e do movimento negro, reconhece-se o valor cultural e religioso dos assentamentos. 

Silva explica que, hoje, a figura do Estado, agindo por meio da repressão policial nos terreiros, não é muito presente. No entanto, a preocupação com o desenvolvimento dessas religiosidades continua, já que a intolerância se mostra por meio de outros grupos. 

 


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