Diante do atual cenário de crise energética que o Sudeste enfrenta e da escassez das chuvas que provoca o esvaziamento de reservatórios e hidrelétricas responsáveis pela geração de energia elétrica, o retorno do suspenso horário de verão é discutido. “Mesmo com a crise hídrica, a adoção do horário de verão no nosso país não vai resultar em ganhos para a sociedade e à economia em relação à redução da demanda energética”, avalia Célio Bermann, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, ao Jornal da USP no Ar 1° Edição.
Pedro Luiz Côrtes, professor da Escola de Comunicações e Artes e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, concorda com Bermann, mas comenta que, apesar do horário de verão não apresentar economia significativa, o seu retorno poderia ser uma possibilidade diante do cenário atual de compatibilidade entre oferta e demanda. “Qualquer economia hoje é fundamental, tendo em vista que nós já estamos na fase de contar os centavos, para conseguir evitar que ocorram apagões ou racionamento”, avalia Côrtes.
Com os questionamentos levantados diante da crise, o Ministério de Minas e Energia (MME) emitiu em nota que tem estudado medidas para deslocar o consumo no atual horário de pico para outros períodos com demandas menores, reforçando a mudança dos hábitos de consumo elétrico da população. “A aplicação do horário de verão não produz resultados na redução do consumo nem na demanda máxima de energia elétrica ou na mitigação de riscos de déficit de potência”, diz a nota oficial.
“Não é através do horário de verão que a crise hídrica e as tarifas elétricas serão atenuadas”, destaca Bermann.
“Ele deveria ser retomado agora porque nós estamos numa situação muito crítica em relação a compatibilizar demanda e oferta”, analisa Côrtes.
Outro argumento favorável ao retorno do horário de verão, segundo Côrtes, é em relação ao desemprego. “Também acredito que ele deveria ser retomado, porque isso é um incentivo maior para os bares, restaurantes, setores de serviços em geral, e nós precisamos reavivar esses setores para que eles possam se recuperar e voltar a contratar. Nós temos um desemprego muito grande, que poderia ser um pouco reduzido com a adoção do horário de verão”, destaca Côrtes. Vale frisar, porém, que Bermann e Côrtes convergem em ressaltar que o retorno do adiantamento dos relógios não é a solução para a crise hídrica e energética que se enfrenta atualmente.
O horário de verão, inicialmente instituído durante o governo Vargas em 1931 e que completou 90 anos este ano, foi suspenso por meio do decreto presidencial n° 9.772, em 2019, em cerimônia no Palácio do Planalto, pelo presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, a mudança de hábitos de consumo de energia da população foi um dos principais argumentos para a descontinuação da política pública. A ideia inicial do adiantamento era a de reduzir a demanda de energia elétrica causado pelo horário de pico, proporcionando maior aproveitamento da luminosidade.
“Ele representou uma redução de consumo ao longos dos últimos 25 anos nos estados de vigência”, destaca Côrtes.
Porém, Bermann e Côrtes explicam que a suspensão do horário de verão se deu a partir da mudança do horário de pico de consumo de energia elétrica da população do período da noite para o da tarde, período de maior demanda, acrescida do aumento da utilização de equipamentos de condicionamento de ar. “Então, o horário de verão foi perdendo a sua eficiência no sentido de representar uma economia de energia”, comenta Côrtes.
De acordo com conclusões do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) do MME, o horário de verão não produz os resultados esperados de redução da demanda elétrica. O órgão também destacou que os impactos elétricos associados ao horário de verão estavam diretamente relacionados à temperatura. Se, por um lado, a iluminação natural reduz o uso de energia elétrica, por outro, eleva-se a demanda pela utilização de climatizadores de ar.
“Estes efeitos eram avaliados conjuntamente e, para os Estados do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, foi constatada neutralidade dos impactos do horário de verão do ponto de vista do sistema elétrico”, destaca o MME.
Bermann ainda compara a adoção da medida pelo Brasil e outros países do Hemisfério Norte. Levando em consideração que o horário de verão é mais efetivo em países que se situam mais distantes da linha do Equador, diante das diferenças de luminosidade entre o verão e inverno, como nos Estados Unidos, o professor revela que “a escala das vantagens do horário de verão na redução de consumo não se dá no Brasil devido à sua relativa proximidade à linha do Equador. “
Outro ponto citado por Berman diz respeito ao desequilíbrio metabólico causado pelo adiantamento dos relógios. “Isso era particularmente sentido nas primeiras semanas, mas era uma das principais razões também para que parte da população não apoiasse o horário de verão”, destaca. De acordo com o levantamento feito pela Paraná Pesquisas, quase 66% da população brasileira concorda com a suspensão do horário de verão. Em contrapartida, as regiões que mais apresentaram resistência ao cancelamento foram o Sudeste e o Sul, contempladas pelo adiantamento.
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