Há exatamente um século – dia 14 de setembro de 1921, para ser bem exato – nascia, na distante Forquilhinha, no interior de Santa Catarina, o quinto filho dos agricultores Gabriel Arns e Helena Steiner. Ao todo, o casal teria 16 filhos, mas dois deles fariam parte da história do País: uma, a médica pediatra e sanitarista Zilda, a décima terceira da prole, que morreria aos 75 anos no terremoto do Haiti em 2010. E aquele quinto filho, Paulo Evaristo, que se tornaria um ícone dos direitos humanos e da luta pela democracia no Brasil, conhecido como o cardeal arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns.
Frade franciscano, dom Paulo, que morreu em 2016 aos 95 anos, não só comandou por décadas a maior arquidiocese do País – até ser dividida, em finais dos anos 1980, pelo papa João Paulo II – como também foi o líder espiritual e, por que não? – físico do rebanho de ovelhas que não tinham voz nem liberdades, durante os anos de chumbo da ditadura militar. A cerimônia ecumênica que ele realizou em 1975 ao lado do pastor presbiteriano Jaime Wright e do rabino Henry Sobel em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog – assassinado nos porões do DOI-Codi paulista – se tornou um marco em prol dos direitos humanos e na luta contra a truculência dos governantes de então. Mas dom Paulo foi além: ao lado de Wright, ele coordenou entre 1979 e 1985, de forma clandestina, o projeto Brasil: Nunca Mais, que tinha como objetivo evitar o possível desaparecimento, durante o processo de redemocratização do País, de documentos sobre a ditadura e sobre as violações cometidas nas duas décadas de regime militar. O projeto acabou gerando um livro basilar com o mesmo nome.
Por ações assim é que dom Paulo empresta seu nome à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – ou, simplesmente, Comissão Arns. Homenagem mais do que justa.
Ouça abaixo depoimentos sobre a importância de dom Paulo Evaristo Arns:
Manuela Ligeti Carneiro da Cunha
Professora de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns
“Dom Paulo é uma inspiração para todos nós que participamos da comissão que leva o nome dele e respectivamente da nossa diversidade política […] ele foi um homem que colocou os direitos humanos acima de qualquer outra consideração. Foi um bispo que usou sua alta função e prestígio pessoal para acolher e proteger perseguidos não só do Brasil, ele foi superimportante para refugiados argentinos […] Ele faz muita falta hoje […].”
Pedro Dallari
Professor de Direito Internacional do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo
“Dom Paulo teve uma importância muito grande na resistência contra a ditadura militar e na luta pela recuperação da democracia no Brasil […] Há vários aspectos de sua atuação que podem ser realçados. Um dos aspectos em particular, que me parece muito importante, é sua defesa do ecumenismo religioso na luta pela democracia; dom Paulo percebeu com toda clareza que a luta pela democracia deveria envolver toda a sociedade. Ao mobilizar a Arquidiocese de São Paulo e a Igreja Católica de São Paulo, ele teve a lucidez de envolver outras religiões, sendo seus parceiros nessa militância, por exemplo, o rabino Henry Sobel e o reverendo presbiteriano James Wright, como demonstração que a luta pela democracia deveria ser de toda a sociedade […].”
Ricardo Alexino Ferreira
Professor da Escola de Comunicações e Artes da USP
“Falar sobre dom Paulo Evaristo Arns, que foi Arcebispo Emérito de São Paulo, é falar de um militante feroz dos direitos humanos […] um humanista e intelectual […] Um homem que enfrentou com muita coragem a ditadura militar, provocando a ira dos ditadores e dos que eram contra os direitos humanos […] No Brasil de hoje eu fico pensando quais seriam as reações de dom Paulo Evaristo Arns? Acredito que deveria estar lutando arduamente para garantir os direitos constitucionais e os direitos humanos […].”
Colaboração: Paulo Capuzzo e Marcello Rollemberg