Decreto de prisão preventiva de Temer é ilegal, diz especialista

Juíz justifica medida pela gravidade do crime, mas é preciso diferenciar liberdade antecipada de prisão preventiva

 22/03/2019 - Publicado há 5 anos
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jorusp

O ex-presidente Michel Temer foi preso pela força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro. A investigação está relacionada às obras da usina nuclear de Angra 3. O Ministério Público Federal (MPF) diz que uma das empresas do consórcio responsável pelo projeto pagou propina de R$ 1 milhão ao grupo de Temer. Os agentes também prenderam o ex-ministro Moreira Franco, no Rio, e João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, amigo de Temer. Na sentença publicada, o juiz Marcelo Bretas diz que as prisões preventivas são necessárias para garantir a ordem pública. Segundo ele, “uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso”. Já o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) justificou os pedidos de prisão preventiva, citando “a existência de uma organização criminosa em plena operação, envolvida em atos concretos de clara gravidade”.

A prisão de Michel Temer e mais nove pessoas teve como base a delação de José Antunes Sobrinho, dono da construtora Engevix. O dono da Engevix disse que pagou propina a pedido do coronel Lima, do ex-ministro Moreira Franco e com o conhecimento de Temer. A empresa de Lima, a Argeplan, também integrava o consórcio. Uma reforma no imóvel de uma das filhas de Temer, Maristela, teria sido usada para disfarçar o pagamento de propina. No pedido de prisão, o juiz Marcelo Bretas argumenta que Temer é “líder da organização criminosa” e “responsável por atos de corrupção”. Além dessa investigação, Michel Temer responde a nove inquéritos. Para tratar do assunto, Jornal da USP no Ar conversou com David Teixeira de Azevedo, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito (FD) da USP.

O primeiro aspecto analisado diz respeito à perda de foro privilegiado, que faz com que “o ex-presidente seja processado como qualquer cidadão comum, perante o juíz de primeiro grau, porque deixou o cargo. O que vincula o foro especial é a permanência no cargo, o que deixou de acontecer em dezembro de 2018”, explica Azevedo. O processo relacionado à delação do empresário da Engevix irá acontecer na primeira instância do Rio de Janeiro, na Operação Lava Jato, porque “o suposto delito aconteceu ali, em Angra dos Reis, nas obras de Angra 3; a competência é do RJ em relação ao local da extração”.

Temer, Moreira Franco e coronel Lima prestam depoimento na PF no Rio – Foto: Marcelo Camargo / Arquivo Agência Brasil

De acordo com o especialista em Direito Penal, o juíz Marcelo Bretas se equivocou ao afirmar que se trata de um crime de corrupção e organização criminosa que não estaria vinculada ao crime de caixa 2. “Ele mesmo cita, no teor de sua decisão, trechos da delação premiada em que o ex-presidente da Engevix, João Antunes Sobrinho, fala que os supostos pedidos de ajuda e de valores na contratação da AS Consult e da Agenplan eram para ajudar as demandas do PMDB, para auxiliar o PMDB e o Michel Temer. Então me parece que há uma vinculação entre esses fatos: um crime de corrupção comum pode beneficiar Michel Temer, mas também há um benefício de cunho eleitoral para abastecer um partido político de recursos para campanha eleitoral”, argumento Azevedo. Nesse sentido, a competência seria da Justiça Eleitoral, e não do juiz Marcelo Bretas.

O professor pontua que “o decreto de prisão [preventiva de Temer e do ministro Moreira Franco] é manifestamente ilegal. O magistrado Marcelo Bretas tenta se apoiar na Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, para dizer que a gravidade do crime, por si só, justificaria um decreto de prisão preventiva. Só que os artigos que ele cita não apoiam a decisão dele. Ali está dito que o Estado terá em conta a gravidade dos delitos ao considerar liberdade antecipada. O que é liberdade antecipada? Alguém foi preso em flagrante e o juiz tem que decidir sobre a sua liberdade. Isso nada tem a ver com decreto de prisão preventiva, são coisas distintas”.

Azevedo analisa trecho da decisão de Bretas – “desse modo, é bastante plausível a conclusão ministerial de que, possivelmente, o valor pago à AF Consult do Brasil foi direcionado para o pagamento de vantagens indevidas provavelmente para Michel Temer e Coronel Lima” – com ênfase no termo de possibilidade ou probabilidade. Ele afirma que “isso tudo tem a ver com a decisão de mérito, se são culpados ou inocentes”, além de parecer “um grande show midiático, que atende a uma demanda de todos nós, cada um em maior ou menor medida, a depender da simpatia ou antipatia do personagem preso”.

“O peso da instrução processual, das provas, pode levar à condenação sim, dentro de um jogo legítimo democrático. Prisão definitiva pela densidade, robustez da prova, é outra coisa.” De acordo com o professor, isso aconteceu no Mensalão, em que os réus responderam em liberdade e apenas depois da condenação, com provas, é que foram para a cadeia. Agora, “Moro e Bretas fizeram antecipação da prisão como forma de punição travestida de prisão preventiva, um pré-julgamento de mérito. Isso não é jogo democrático, não é atender a indício de garantias de cidadania”.

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