Decisão judicial reformulada em caso de abuso sexual destaca importância de análise do contexto

Análise para reescrita da decisão, sob a perspectiva jurídico-feminista, que concluiu pela condenação, foi de caso emblemático em que a relatora do Tribunal de Justiça argumentou que haver provas e defendeu a absolvição do sujeito

 13/07/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 18/07/2023 às 17:31
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Neste episódio da série Mulheres e Justiça, a professora Fabiana Severi conversa com a Mariângela Gama de Magalhães Gomes, professora de Direito Penal da Faculdade de Direito (FD) da USP, sobre o trabalho de reescrita de decisão judicial sob perspectiva jurídico-feminista do seu grupo de pesquisa.

A decisão escolhida para ter a sentença judicial reformulada foi uma de primeiro grau, que havia condenado um motorista de aplicativo que tinha sido chamado por uma corrida. Nessa corrida acabou transportando uma moça bastante embriagada e ao chegar na casa da cliente manteve relação sexual com ela, que só de seu conta do ocorrido no dia seguinte. Em primeiro grau, o juiz condenou o sujeito usando como um dos argumentos a vulnerabilidade da vítima em função da embriaguez. Entretanto, o que chamou a atenção dos pesquisadores é que, no Tribunal de Justiça, o voto da relatora (uma mulher) era caso de absolvição, basicamente porque não havia provas da falta de consentimento, nem da embriaguez da vítima. “Uma decisão bastante emblemática, um ponto muito sensível e comum na questão dos direitos das mulheres, o abuso sexual de mulheres quando estão embriagadas.”

Mariângela Gama de Magalhães Gomes – Foto: Arquivo Pessoal

Para a pesquisadora, com o tema escolhido foi possível identificar a contraposição entre a decisão de primeiro e de segundo grau e o que seu grupo fez de diferente foi sair do lugar-comum de olhar somente para a questão da palavra da vítima contra a palavra do réu, que normalmente leva à absolvição. Na reescrita, além das provas foi analisado o contexto em que tudo aconteceu e os depoimentos. “De fato havia provas da embriaguez da vítima, portanto era impossível que ela desse consentimento em relação a um ato sexual. Essa postura diferente nos levou a uma conclusão diferente, uma vez que evitamos partir para um olhar já com preconceitos, estereótipos. Optamos por fugir do lugar-comum, que é contrapor a palavra de um em relação a do outro, assim não foi difícil chegar a uma conclusão que era caso de condenação.”

Os principais resultados, diz Mariângela, dizem respeito a uma análise mais minuciosa e garantista, inclusive do papel e da posição do agressor, o que faz com que a decisão seja mais bem elaborada. “A reescrita enfrentou de fato todos os pontos e questões atinentes à violência sexual contra mulher vulnerável e, além da conclusão final, que foi pela condenação, a própria condução da argumentação foi muito tranquila e embasada, pois não desconsiderou nada, nenhuma prova nem embasamento dogmático, tudo que estava ali foi analisado, por isso foi simples chegar à decisão de condenar.”

Além da professora Mariângela, também participaram do projeto as pesquisadoras Maria Claudia Girotto do Couto, Bruna Rachel de Paula Diniz, Ana Paula Bimbato de Araújo Braga, Rafaela dos Santos Oliveira e as acadêmicas Jaqueline Costal dos Santos, Letícia Russo Videira, Michele Prado do Amaral e Sophia Lima Panico.

A série Mulheres e Justiça faz parte do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Femininas, uma rede colaborativa de acadêmicas e juristas brasileiras de todas as regiões do País que se presta a reescrever decisões judiciais a partir de um olhar feminista.

A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira -
Apoio:acadêmicas Juliana Cristina Barbosa Silveira e Sarah Beatriz Mota dos Santos-FDRP
Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br

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