Sempre que você acender a luz na sua casa, lembre-se do seguinte: essa luz só existe graças à ciência — que inventou a eletricidade, os fios de cobre, as lâmpadas e tudo mais. E a ciência, como nós a conhecemos hoje, só existe graças às universidades de pesquisa e aos investimentos públicos que sustentam o trabalho dos pesquisadores em seus laboratórios — não apenas no Brasil, mas em todos os países cientificamente mais avançados do mundo.
“Quem faz pesquisa é quem está com a tocha na mão, descortinando o escuro”, comparou Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), que foi um dos palestrantes do USP Talks – Universidades Públicas, ao lado da bioquímica Alicia Kowaltowski.
Para ilustrar sua analogia, ele pediu que apagassem as lâmpadas do auditório. “Essa é a sensação que a gente têm quando a luz acaba”, comparou Buckeridge. E é a sensação que teríamos caso fosse possível “apagar” o conhecimento gerado pelas universidades mundo afora, graças a uma interação virtuosa entre ensino e pesquisa, que é cultivada há centenas de anos nessas instituições. “Universidade de qualidade não existe sem a pesquisa; não adianta querer dizer que existe.”
“Há séculos se percebeu que as melhores pessoas para ensinar em nível superior eram justamente os cientistas”, disse Alicia, que é professora e pesquisadora no Instituto de Química da USP. “O cientista não só sabe o conhecimento atual, como sabe buscar novo conhecimento. É por isso que se criou esse conceito de universidade como um local onde se faz ciência e onde o pesquisador-cientista é também o professor, que vai passar o conhecimento para frente.”
“No mundo todo, as universidades de ponta são aquelas que fazem pesquisa de ponta”, completou Alicia. “A gente sabe também que países que saíram bem de crises econômicas foram países que apertaram o cinto em várias coisas, mas investiram em duas coisas essenciais, que trazem desenvolvimento: educação e ciência. E essas duas coisas acontecem na universidade pública.”
O evento foi no dia 25 de junho, no auditório do Museu de Arte de São Paulo. Os vídeos estão disponíveis aqui e no canal do USP Talks no YouTube, onde também é possível assistir a todos os encontros anteriores, em que professores e outros especialistas ligados à academia falam sobre temas diversos de interesse da sociedade, como corrupção, agrotóxicos, inteligência artificial e a busca por vida em outros planetas.
Além da importância do financiamento público e da aliança entre ensino e pesquisa para geração de conhecimento, Buckeridge e Alicia conversaram com a plateia sobre diversos temas polêmicos pertinentes às universidades públicas, como os questionamentos sobre a qualidade da ciência brasileira, a necessidade das ciências humanas, a questão dos rankings universitários, o excesso de burocracia, meritocracia e a importância da pesquisa básica.
Alicia lembrou o exemplo do seu orientador de doutorado (Anibal Vercesi, da Unicamp), que estudava o metabolismo da batata e, graças a essa pesquisa básica, aparentemente sem qualquer aplicação prática, descobriu uma proteína que influencia a tendência dos seres humanos a engordar com maior ou menor facilidade. “Sabe aquelas pessoas magras de ruim, que comem um monte e não engordam? Elas têm mais dessa proteína”, brincou Alicia — que é especialista em metabolismo energético.
Na raiz de toda grande inovação tecnológica, lembraram os pesquisadores, está sempre a pesquisa básica, que quase sempre é feita nas universidades públicas, com recursos públicos. “A ciência básica não é muito previsível, porque você está descobrindo coisas completamente novas”, destacou Alicia. “É por isso que, no mundo inteiro, ela é financiada publicamente. Ela é para explorar o universo.”
“As empresas investem em pesquisa? Investem. Mas jamais vão investir na (descoberta da) proteína da batata”, completou Buckeridge.
Ele destacou ainda que a importância de um trabalho científico não pode ser medido apenas pelo número de citações que ele recebe na literatura acadêmica, pois há muitas pesquisas que geram resultados práticos para a sociedade sem, necessariamente, produzir grandes revoluções dentro da própria ciência. Por exemplo, no caso de estudos de biodiversidade que servem para balizar políticas públicas de conservação ambiental, ou pesquisas técnicas voltadas para a melhoria da produção agrícola. “Quantas citações tem uma cartilha da Embrapa que ensina como cultivar sorgo?”
“Essa questão do impacto tem de ser vista de forma diferente. O impacto local, muitas vezes sem nenhuma ou pouquíssimas citações, pode estar mudando a vida das pessoas”, disse Buckeridge. “Temos que valorizar tudo.”