Brasil enfrentou 4.077 desastres climáticos entre 2020 e 2023

Carlos Nobre e Pedro Jacobi comentam relatório elaborado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, dando conta que houve um aumento de catástrofes climáticas em 250% em comparação à década de 1990

 05/02/2025 - Publicado há 1 mês
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Imagem de uma mão segurando um pedaço de gelo que reflete a luz do sol numa paisagem rural
A mudança climática e seus consequentes impactos ambientais inegavelmente vêm piorando nas últimas décadas – Foto: Mycchel Legnaghi/São Joaquim Online via Fotos Públicas
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O relatório elaborado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, coordenado em conjunto pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), pelo Programa Maré da Ciência, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), revelou que, entre 2020 e 2023, o Brasil apresentou uma média anual de 4.077 desastres relacionados ao clima, o que significa um aumento de catástrofes climáticas em 250% em comparação à década de 1990. 

Os resultados da pesquisa surgem em meio a um cenário mundial profundamente marcado pela mudança climática, com temperaturas globais aumentando, desastres naturais multiplicando-se e a aproximação da 30º Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que será sediada na cidade de Belém (PA) em novembro de 2025. Assim, com a Floresta Amazônica como sede e centro de discussões, projetos e alternativas sobre a mudança climática e ações para revertê-la tornam-se essenciais.

O cenário, segundo Carlos Nobre, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, diretor científico do Instituto de Estudos Climáticos da Universidade Federal do Espírito Santo e diretor da Amazon Third Way Initiative/Projeto Amazônia 4.0, representa uma crescente preocupação, que precisa rapidamente ser mitigada. “As emissões aumentaram e atingimos 1,5 graus. Então, têm milhares de cientistas tentando explicar o que poderia, o que aconteceu e porque aumentou tão rápido, além dos riscos. O risco é que a ciência não consegue dizer se a temperatura vai baixar, porque foi muito rápido. E se a temperatura não baixar e nos próximos anos continuarmos 1,5 graus mais quentes, a ciência chegará à conclusão que não baixa mais. Se isso acontecer, todos esses fenômenos extremos vão aumentar”, detalha o professor. 

Homem branco, idoso, cabelo e bigode grisalhos, usando óculos e vestindo camisa marrom
Carlos Nobre – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Temperatura

Recentemente, o Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas (C3S) também divulgou um relatório segundo o qual o ano de 2024 comprovou-se o mais quente já registrado mundialmente, com a temperatura média global ultrapassando a marca de 1.5 grau Celsius (°C), assim como advertido pelo professor Nobre. O número era o máximo permitido entre as decisões do Acordo de Paris e comprovou a crescente intensificação das mudanças climáticas e, consequentemente, suas inevitáveis consequências. 

A mudança climática e seus consequentes impactos ambientais inegavelmente vêm piorando nas últimas décadas e sua intensificação é linear ao nível de industrialização, desmatamento e emissões de gases estufa constantemente produzidos e emitidos pela população mundial na queima de combustíveis fósseis, por exemplo. Tais ações influenciam diretamente a condição climática atual, intensificando sua gravidade e aumentando a temperatura média mundial, que, como ressaltado pelo relatório da Organização das Nações Unidas, exige a redução das emissões anuais de gases estufa em 42% até 2030 e 57% até 2035 para que a meta de 1,5º do Acordo de Paris seja atingida. 

Amazônia

Para o Brasil, uma de suas principais preocupações encontra-se na Floresta Amazônica, pois, com o aumento da temperatura e possibilidade de quebra da meta do Acordo de Paris, a sobrevivência da biodiversidade e sensível ecossistema do local poderá encontra-se ameaçado, assim como explicado por Nobre. “O mais perigoso para nós, na América do Sul, é perder a Amazônia. Se a gente chegar a 2,5 graus, não tem mais volta. A Amazônia vai se auto degradar entre 30 e 50 anos, vai perder no mínimo 50%, talvez até 70% da floresta desapareça.”

Com isso, toneladas de gás carbônico, normalmente removidas pela floresta, seriam emitidas para a atmosfera, além do total desordenamento do ciclo de chuvas do País, sem a influência dos “rios voadores” que fluem da Região Norte em direção às outras regiões do país. Por fim, todo o clima da América do Sul seria modificado e degradado. 

Entretanto, o processo de degradação é lento e, durante sua progressão, cidades são afligidas com cada vez mais frequentes e agressivos desastres naturais e provam-se despreparadas para esses impactos. O Estado do Rio Grande do Sul, durante o ano de 2024, foi um exemplo de destruição ocasionada pela união entre despreparo governamental e volumosas massas de chuva. O Estado foi alvo de diversas enchentes ao longo do ano, ocasionadas por massivas tempestades, resultando em mais de 150 mortes e muito prejuízo imobiliário, com perdas de casas e pertences. 

Homem branco, idoso, cabelos brancos, falando num microfone e vestindo camisa de cor escura
Pedro Roberto Jacobi – Foto: IEA/USP

Políticas públicas

Segundo Pedro Jacobi, professor titular sênior do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM/IEE/USP) da USP e membro da Divisão Científica de Gestão, Ciência e Tecnologia Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente/USP, grande parte dos desastres naturais surge como resultado de uma gama de influências. “Nós podemos observar que boa parte deles são realmente provocados pela falta de governança, da gestão urbana, dos atrasos enormes em termos de políticas públicas, de saneamento, da perda de arborização urbana e, portanto, da perda de vegetação, que também é necessária”, afirma o professor. 

A ausência de tais medidas vulnerabiliza as cidades à mercê de um clima instável, cada vez mais agressivo e imprevisível, impactando principalmente as regiões periféricas, algumas localizadas em áreas de alto risco e declividade, que aumentam a possibilidade de deslizamentos de terra e inundações. Para Jacobi, a desigualdade de impactos e consequências entre centro e regiões periféricas se dá pelo processo desigual de urbanização realizado entre as cidades, no qual as periferias foram marginalizadas e expandiram-se em áreas livres, com grande instabilidade e vulnerabilidade. 

 O cenário implica na necessidade de melhorias na gestão de políticas públicas, preparando as cidades e sua população para eventos extremos, que poderão ser mais frequentes nos próximos anos. De infraestrutura a reflorestamento, Jacobi ressalta a responsabilidade dos governos nacionais e estaduais em implementar as melhorias necessárias, principalmente para as regiões periféricas. “São políticas associadas com a localização das pessoas de baixa renda, com políticas habitacionais que permitam aumentar a inserção de um número maior de pessoas numa condição mais favorável de moradia. É importante  que as cidades tenham um conjunto de infraestruturas, que não sejam infraestruturas apenas de concreto, mas infraestruturas verdes, que as cidades tenham maior capacidade de absorver o volume de extremos de água, que as cidades deem mais espaço aos rios.”

A situação exige rápido controle e tomada de iniciativas, preparando a população para futuros desastres ambientais ao mesmo tempo que procura pará-los; para isso, reuniões como a COP são essenciais, trazendo atenção de governantes e população à mudança climática. 


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