Nos últimos meses, denúncias de trabalho escravo e trabalho análogo à escravidão ganharam espaço nos veículos de comunicação, expondo condições subumanas para o desenvolvimento da atividade de inúmeros trabalhadores. Segundo balanço do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), mais de 2,5 mil pessoas em situação análoga à escravidão foram resgatadas no ano de 2022. Além da indignação de, ainda em 2022, pessoas se encontrarem nessas condições de trabalho e existência, surgem dúvidas sobre por que em alguns momentos se usa o termo “análogo à escravidão” e em outros apenas “escravidão”. Seria uma forma de minimizar as situações vividas por essas pessoas?
Segundo o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, o trabalho análogo à escravidão é caracterizado pela submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou seu preposto. Diferentemente dele, a escravidão não é tipificada no Código Penal por ter sido abolida pela Constituição Federal de 1988 e, para garantir isso, a Carta Magna assegura, com base nos artigos 5 e 7, várias liberdades individuais e sociais, como:
- ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
- direito ao salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família;
- direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
- duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e 44 semanais.
Maria Hemília Fonseca, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, explica as diferenças entre essas duas terminologias. “O trabalho escravo é quando a pessoa é submetida a um regime de trabalho em que ela é privada de todo e qualquer direito, seja civil, social ou trabalhista. Já o trabalho análogo à escravidão amplia essas definições, como trabalho forçado por dívida, jornadas exaustivas de trabalho, com ou sem a restrição de locomoção do trabalhador.”
Instrumentos de fiscalização
Segundo o Radar da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), cerca de 55 mil pessoas foram resgatadas de condições de trabalho análogas à escravidão entre os anos de 1995 e 2020. Os trabalhadores resgatados são, em sua maioria, migrantes internos ou externos, que deixaram suas casas para a região de expansão agropecuária ou para grandes centros urbanos, em busca de novas oportunidades ou atraídos por falsas promessas.
Apesar dos números, o Brasil foi um dos pioneiros a criar uma comissão de fiscalização das condições de trabalho perante a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desde 1995, fiscais, procuradores do trabalho e Polícia Federal atendem denúncias de condições de trabalho análogas à escravidão.
Penas previstas pela lei
Segundo Vera Lúcia Navarro, professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, os casos de pessoas em condições de trabalho análogo à escravidão não são casos isolados, mas sim a perpetuação de condições estabelecidas há séculos. “A história dos trabalhadores brasileiros está marcada por esse tipo de situação, o País não rompeu com o seu passado escravocrata. Debater esse tema é importantíssimo.”
Maria Hemília completa dizendo que a Constituição prevê punições para aqueles que colocarem outro ser humano em condições de trabalho análogo à escravidão. “A pena pode ser a reclusão, de dois a oito anos de prisão, além de multas e a expropriação das terras, sejam elas rurais ou urbanas, usadas pelo criminoso, sem direito a indenização. Além de, claro, indenizações pelos danos causados ao trabalhador.”
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