A discussão sobre a implementação do homeschooling se intensificou com o isolamento social decorrente da pandemia de covid-19. Mas, com as desigualdades educacionais existentes relacionadas às dificuldades socioeconômicas do País, esse se torna um sistema de ensino que ainda enfrenta desafios para a sua implementação.
No Brasil, a educação domiciliar representa a demanda de determinados grupos da população pelo direito de educar crianças e adolescentes em casa, questionando a obrigatoriedade da educação escolar prevista na legislação. Porém, a pesquisa Educação, Valores e Direitos, realizada em 2022 pela Ação Educativa e Cenpec, mostra que apenas 21% dos brasileiros são favoráveis à educação domiciliar, defendendo o direito dos pais de tirar as crianças da escola, se assim acharem melhor. Ainda: 99.3% concordam que ir à escola é importante para as crianças e 90%, que as crianças têm o direito de frequentar a escola mesmo contra a vontade de seus pais.
A pauta do homeschooling cresceu durante o governo Bolsonaro e, em 2019, deputadas da base de apoio do ex-presidente criaram o Projeto de Lei 3262/2019, que está pronto para ser pautado no plenário da Câmara, depois de aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em 2021. Para que essa opção funcione no País, precisa haver uma mudança no Código Penal, que considera educação domiciliar como abandono intelectual, além de alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas diretrizes e bases da educação nacional.
Política tardia
Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP, diz que o Brasil trilhou um caminho árduo para escolarizar a população. Quando comparado a outros países da América Latina, o País tem uma política educacional tardia, colocando a proposta de educação domiciliar na contramão desse movimento de escolarização.
Outro projeto de lei, o PL 3179/2012 de Lincoln Portela (PR/MG), foi aprovado em maio de 2022 na Câmara dos Deputados e atualmente aguarda a apreciação pelo Senado Federal. “É uma proposta extremamente elitista, autoritária e equivocada que, para ser operacionalizada, exigirá que as famílias invistam em tutores, materiais didáticos – o que abre um mercado de venda de produtos – e que o Estado garanta toda uma estrutura de fiscalização das famílias, drenando recursos que deveriam ser investidos na educação pública”, diz a professora.
Ela lembra que a normativa educacional prevê que crianças e adolescentes em tratamento médico possam receber educação em suas casas, por meio de profissionais de educação que se desloquem para seus domicílios. “Eu não identifico prós na proposta de educação domiciliar que tramita no Congresso, já que ela priva crianças e adolescentes da socialização, do acesso a conhecimentos humanísticos e científicos que vão além dos defendidos pela família”, diz.
Na sua avaliação, o PL 3179/2012 compromete a formação para a cidadania e de uma cultura democrática, que somente é possível quando convivemos com as diferenças, além de aumentar a vulnerabilidade de crianças e adolescentes à violência intrafamiliar, ao abuso sexual e à segregação de estudantes com deficiência em casa.
Em 2022, a Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, da qual Denise faz parte, lançou um abaixo-assinado com mais de 400 assinaturas de instituições do campo educacional contrárias à proposta.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo
Produção: Produção - Cinderela Caldeira, Felipe Bueno e J.Perossi
Edição: Rádio USP
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