Aborto é uma questão de saúde pública, não de ideologia, diz Eva Blay

A descriminalização do aborto na Argentina foi fruto da participação das mulheres na vida pública, propiciada por uma cultura política que se formou lá desde o século 19, que foi a do incentivo à leitura. Stella Franco também comenta o assunto

 26/01/2021 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 19/07/2024 às 15:24
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pessoas com as mãos erguidas como se estivessem votando uma proposta em manifestação. Algumas delas carregam um lenço verde amarrado no pulso
Manifestação de protesto contra o PL 1904/24, que equipara aborto a homicídio, com pena de até 20 anos, reúne mulheres na Cinelândia – Foto: AFernando Frazão/Agência Brasil

A Argentina cedeu à pressão social e decidiu descriminalizar o aborto. Agora, todas as mulheres maiores de 16 anos podem fazer a escolha de prosseguir ou interromper a gravidez até a 14ª semana de gestação. A conquista ocorreu após uma mobilização histórica feminina, com muitas manifestações e pressão política.

Sobre a mobilização feminina na Argentina, a professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Stella Franco, explica: “Na Argentina, a participação das mulheres na vida pública foi muito favorecida por uma cultura política que se formou lá desde o século 19, que foi do incentivo à leitura, à discussão, que a gente chama de ampliação do espaço republicano. Os argentinos se tornaram leitores e isso favoreceu uma autonomia do campo das ideias, uma autonomia do campo intelectual e isso afetava também, obviamente, a vida das mulheres, que passaram a ler, a estudar, que almejavam se formar na universidade e também participar dos debates públicos, que também afetavam a vida delas.”

Além disse, o que motivou a Câmara dos Deputados e o Senado a legalizarem o aborto no país vizinho foi, principalmente, a perspectiva da saúde pública. Estima-se, de acordo com o relatório da Human Rights Watch, que ocorram por volta de 520 mil abortos clandestinos anualmente no país e que cerca de 40% desses procedimentos resultam em internações. Nos últimos 30 anos, 3.000 mulheres morreram por consequência desse processo. E tais números não estão restritos somente à Argentina, eles representam a realidade geral do continente latino-americano, e isso inclui o Brasil.

Problema de saúde pública

A Professora Emérita da FFLCH, Eva Blay, em 1993, atuando como senadora, apresentou o projeto de lei que permitia a legalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Ela denunciou o número preocupante de mulheres que corriam risco de vida devido ao procedimento ilegal e defendeu que a questão fosse debatida, antes de qualquer ideologia, como uma pauta da saúde pública. Na época, ela sofreu diversos ataques da comunidade cristã e o projeto foi arquivado.

No presente, a ex-senadora afirma estar contente com a conquista da Argentina e se mantém preocupada com a situação do Brasil. E não somente pelos riscos que as mulheres enfrentam ao realizarem o aborto ilegal. Blay denuncia que o descaso ao corpo feminino e ao seu bem-estar vão além dessa pauta: aqui, até as mulheres que querem ser mães correm risco de vida. De acordo com ela, a cada 100.000 mulheres que dão à luz no País, 65 morrem, enquanto a proporção em países desenvolvidos é de 12 mortes a cada 100.000 partos. Sendo que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, 92% dessas mortes são evitáveis com pré-natal e atendimento médico adequado.


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