Evento em Berlim: futebol e América Latina

Luciano Victor B. Maluly é professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP);
Enio Moraes Jr. é doutor em Ciência da Comunicação da ECA

 22/06/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 26/06/2018 às 13:02

Luciano Victor B. Maluly – Foto: Arquivo pessoal

 

Enio Moraes Jr. – Foto: Arquivo pessoal

Futebol e Sociedade na América Latina foi o tema do Congresso da Adlaf (Associação Alemã de Pesquisa sobre a América Latina) sediado na Fundação Konrad-Adenauer, realizado de 7 a 9 de junho de 2018, em Berlim, na Alemanha. Entre os diversos temas abordados, dois merecem destaque: as questões extracampo na América Latina e a participação brasileira neste cenário.  Assim, o futebol tornou-se o eixo para discussões essenciais ao cotidiano, como a violência e as questões de gênero.

A política foi citada como um componente integrado ao esporte, da mesma forma que a mercantilização, o preconceito, a corrupção e a rivalidade, entre outros pontos. Neste contexto, foi discutida “a defesa da democracia como uma missão também do esporte”, resumindo algumas palavras do presidente da ADLAF, Thomas Fischer, durante a abertura do evento.

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Contrastes da América Latina

A admiração que o futebol latino, especialmente o sul-americano, desperta na maioria dos povos chama a atenção dos europeus, que, assim, procuram “entender” os problemas d’aquém e d’além-mar. Distribuição de renda,  monopólio dos meios de comunicação, instabilidade política e econômica, desapego à educação e epidemias são alguns temas recorrentes do lado de cá que, diretamente,  interferem na “tranquila vida europeia”. Afinal, o Velho Continente se depara, novamente, com questões étnico-raciais, como a imigração e a inclusão.

Enquanto ouviam os relatos da admiração dos europeus pelo futebol-arte, os pesquisadores latino-americanos apresentavam as injustiças e, ao mesmo tempo, as alternativas. Com isso, buscavam apoio para a renovação do modo de pensar a América Latina, ou seja, transformar a realidade das pessoas que aqui sofrem nas mãos de governos  corruptos e outros exploradores.


Para compreender o Brasil

Não é de hoje que a Europa está querendo discutir e compreender o Brasil.
Questões em torno da constante instabilidade política e econômica continuam a ser tema quando se fala do país do futebol, das belezas naturais, da comida boa, entre outros fatores que encantam os estrangeiros.

A ex-capitã da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, Aline Pellegrino, foi uma das convidadas do evento de abertura. Trouxe como exemplo a proposta do Guerreiras Project, programa que utiliza o futebol como ferramenta para revelar, analisar e combater preconceitos de gênero. A atleta mostrou um país marcado pelas desigualdades, mas que está lutando para mudar este panorama.

O outro convidado foi Antonio Leal, diretor e idealizador do CINEfoot, um dos principais festivais sobre cinema e futebol do mundo. O cenário trazido pelo cineasta foi desolador, ou seja, de um país em crise de identidade. Neste caso, a quebra da  governabilidade é a causa do caos atual, exemplificado pela prisão e assassinatos (como de Marielle Franco) de políticos, sem falar na violência urbana e nas altas taxas de desemprego.

Porém, o futebol-arte ainda chama a atenção dos europeus. Como um dos símbolos de identidade nacional, este estilo de jogo caracteriza o povo brasileiro como criativo e lutador, lembrado pelo “jeitinho”, parafraseando Roberto DaMatta, antropólogo brasileiro sempre citado nesse congresso. A admiração ficou evidente quando começaram as apresentações dos pesquisadores ou mesmo de alguns curtas-metragens que foram exibidos no CINEfoot ou no festival alemão 11 mm, o principal sobre futebol no mundo.

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A USP no congresso

A Universidade de São Paulo esteve presente na organização do evento por meio da professora e pesquisadora do curso de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) Karen Macnow Lisboa. Além dela, a USP foi representada pelo Grupo de Pesquisa em Jornalismo Popular e Alternativo (Alterjor) da Escola de Comunicações e Artes, que apresentou os resultados da primeira parte da pesquisa Brasil, Alemanha e Futebol: confrontos, mediações e multiculturalismo no jornalismo internacional. 

Os pesquisadores entrevistaram jornalistas brasileiros sobre as relações multiculturais entre Brasil e Alemanha, tendo como base os dois confrontos em Copas do Mundo: a final de 2002, com vitória brasileira de dois a zero, e a derrota de sete a um, na semifinal da Copa de 2014. A segunda fase da pesquisa entrevistará jornalistas alemães e a terceira confrontará as opiniões de ambos.

 As conclusões da pesquisa do Alterjor resumem, em três frentes, o que foi o Congresso da Adlaf, principalmente no que diz respeito aos brasileiros e alemães. O primeiro ponto é que, apesar dos problemas, há uma admiração mútua, representada pela organização alemã e pela alegria brasileira, com referência às respectivas seleções.  O segundo observa que ainda há esperança de apresentar notícias que relatem a realidade brasileira, sem o uso de estereótipos e clichês.  Por fim, os jornalistas, principalmente os especializados em esportes, estão em busca de narrativas que ampliem as discussões para além das quatro linhas e, ao mesmo tempo, revelem as contradições da América Latina.

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