Docência durante a pandemia: tempos estranhos e/ou momentos de descobertas?

Por Marco Akerman, presidente da Comissão de Extensão da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, e outros autores*

 17/12/2020 - Publicado há 4 anos
Marco Akerman – Foto: Divulgação / IEA-USP

* Tatiana Toporcov, presidente da Comissão de Graduação da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, Marcelo Rogero, vice-presidente da Comissão de Graduação da FSP-USP, Marília Louvison, coordenadora do curso de Graduação em Saúde Pública da FSP-USP, Wolney Lisboa Conde, vice-coordenador do curso de Graduação em Nutrição da FSP-USP, Dirce Zanetta, presidente da Comissão de Pós-Graduação da FSP-USP, Marly Augusto Cardoso, presidente da Comissão de Pesquisa da FSP, Isabela Serra, estudante do curso de Saúde Pública da FSP-USP, Ana Giulia Forjaz Grassi, estudante do curso de Nutrição da FSP-USP, Samuel Jorge Moyses, docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paulo Capel Narvai, docente sênior do Departamento de Política, Gestão e Saúde da FSP-USP

No dia 12 de novembro de 2020, a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP realizou seu 32º webinar denominado Docência durante a pandemia: tempos estranhos e/ou momentos de descobertas?. Em formato de “roda de conversa”, os presidentes das quatro comissões estatutárias da FSP, coordenadores e vice-coordenadores dos cursos de graduação e estudantes de graduação trouxeram depoimentos sobre suas experiências de ensino-aprendizagem durante a pandemia. Estes depoimentos foram enriquecidos por outros dois colegas convidados para problematizar o tema da “presença”. A partir do conteúdo do vídeo do 32º webinar, os “estranhamentos”, os “desafios” e as “oportunidades” que emergiram para o ensino-aprendizagem na pandemia, conforme as experiências vivenciadas pelos participantes deste webinar, foram sumarizados e são apresentados neste artigo-síntese.

Desconforto com a tecnologia e seus imperativos: o risco da predominância da técnica sobre o humano

Há uma fadiga da tecnologia durante a pandemia: “O desafio, o que é estranho, por enquanto é aprender como se construir melhor interação social e nos sentirmos mais confortáveis com essa copresença mediada por tecnologia”.

Há sequestro dos nossos desejos: “Há autores que falam que nós não estamos mais no cyber-espaço, nós estamos já numa infosfera, fazendo um paralelo com a biosfera. A infosfera nos tirou o conceito dicotômico de online e offline, na verdade nós estamos o tempo todo como onlife – mesmo que eu não queira, eu estou deixando rastros digitais, estou sendo rastreado o tempo todo”.

Abrir ou não abrir a câmera…

Tem sido recorrente a queixa de docentes de que os estudantes não abrem suas câmeras:

“Corpos e rostos antes comunicavam se estavam aprendendo. No ensino remoto [os estudantes] são ‘bolinhas’ com letras ou foto e isso gera dificuldade em medir o quanto os alunos aprendem e participam do curso”.

“As bolinhas incomodam, é a falta de conexão, é a falta do encontro…”

Houve inclusive campanhas de docentes circulando pelas redes, com “meme” e tudo.

Campanha feita entre os alunos da Faculdade de Saúde Pública

Os estudantes argumentam que a câmera “consome mais internet” e que, também, preferem manter a privacidade de seus ambientes: “São muitas coisas acontecendo durante a aula (rotinas da casa, cansaço, trabalho) que forçam uma dinâmica diferente”.

Uma docente sintetiza o dilema da câmara dizendo: “Me senti muito próxima dos alunos no início do processo, mas sinto falta da troca do afeto, dos momentos informais de aprendizado que o ensino presencial proporciona”.

Mas o virtual ou remoto não está, decerto, isento de emoções, e não há dúvida de que agrega ao presencial novas possibilidades de interatividade significativa. Uma professora: “Eu comecei a ler um texto em uma aula remota síncrona e me emocionei. Não consegui continuar a leitura. Então, uma aluna se prontificou a continuar a leitura. Mesmo sendo uma ‘bolinha’ ali na tela”. A expectativa gerada por “bolinhas” na tela é de que não há conexão plena. O episódio revela o oposto: houve conexão significativa e participação relevante da estudante na atividade.

Em busca da ampliação dessas possibilidades, professores têm manifestado o interesse de continuar aprimorando o emprego de métodos e técnicas que advirão com o desenvolvimento de novas estratégias pedagógicas estimuladas pelo que se vem denominando de “ensino híbrido” ou “modelo misto”.

Maior “presença” no ensino remoto, desde que desigualdades sejam enfrentadas

Os participantes constataram que o ensino remoto ou virtual contribuiu para diminuir as faltas e a desocultar desigualdades de acesso à internet, o que desencadeou uma resposta institucional de apoio ao discente como, por exemplo, a distribuição de chips aos que deles necessitavam. Mas isso demandou “sensibilidade, solidariedade e invenção para perceber vulnerabilidades que poderiam excluir as pessoas” e, portanto, aprofundar desigualdades.

Houve consenso quanto à preferência por aulas assíncronas, uma vez que facilitam a organização da rotina segundo possibilidades individuais e permitem fazer uso racional do tempo de internet disponível para cada um. O Moodle possibilitou adoção de opções pedagógicas (como a “sala de aula invertida”) que permitem que o material didático fique disponível permanentemente para o estudante.

Vamos nos acostumando… e ampliando possibilidades

Há relatos de que a experiência “ficou melhor” no segundo semestre e que “poupar transporte público e locomoção era uma boa”, pois os estudantes perceberam a possibilidade de conseguir cursar mais disciplinas por causa do encurtamento das distâncias e do tempo despendido com deslocamentos numa grande cidade como São Paulo.

As relações com as ferramentas digitais foram ficando mais amistosas:

“Estamos tendo oportunidade de utilizar outras ferramentas para o desenvolvimento e/ou apresentação de trabalhos” (uso de podcast, por exemplo).

O uso de AVA possibilitou aumento de matrículas em cursos e disciplinas da FSP, por estudantes de outros campi, Estados e até de outros países:

“É uma oportunidade que a gente não pode perder. A gente teve disciplinas oferecidas com docentes que estavam fora, então isso nos leva a pensar. Não dá para perder essa oportunidade de ter convidados, de qualquer parte do mundo, para participarem das nossas disciplinas”.

Desafios na avaliação dos estudantes

Os estudantes aprendem mais ou menos no ensino remoto ou virtual?

Esta pergunta atravessou o nosso webinar e trouxe comentários que anunciam possibilidades avaliativas e “food for thought”:

“O ambiente virtual de aprendizado favorece a ampliação de modos avaliativos dos estudantes”.

“O aprendizado não é só o formal, o aprendizado acaba acontecendo no bate-papo, na troca de experiências e, pensando na pós-graduação, é a troca de experiências para suas pesquisas ou comentários e dificuldades”.

Houve consenso, porém, de que a temática da avaliação do processo ensino-aprendizagem é das mais complexas e que segue demandando muita pactuação entre docentes e discentes, além de bastante engenhosidade para delinear dispositivos avaliativos adequados, seja presencialmente, seja para atividades virtuais.

O que ficou do webinar

Uma frase sintetiza a percepção dos docentes e estudantes que participaram do webinar: “Tempos estranhos, mas há oportunidades no horizonte”.

Muito por conversar e planejar, e a questão da presença ou da falta da presença física, “olhos nos olhos”, foi algo que muito nos mobilizou.

Nos ocupamos deste debate em outro artigo a ser publicado no Jornal da USP.

 


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