
A desigualdade de gênero na ciência e os desafios enfrentados por mulheres em suas carreiras acadêmicas foram os principais temas debatidos no Global Women’s Breakfast (GWB-2025), evento realizado pela primeira vez em Ribeirão Preto.
O Global Women’s Breakfast (GWB) é uma iniciativa da International Union of Pure and Applied Chemistry (Iupac). Lançado em 2011 pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac) e realizado simultaneamente em diversos países, o evento surgiu no Brasil em 2019.
O encontro em Ribeirão Preto foi no Salão Nobre da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, no dia 11 de fevereiro, onde professoras e especialistas compartilharam dados e experiências sobre a presença feminina na ciência, os desafios da maternidade na academia e a importância de políticas de equidade.
Alunos e funcionários foram contextualizados sobre os números de mulheres que ingressam na graduação e atingem cargos de alto nível em comparação com os homens. Após as palestras, o público participou de um bate-papo abordando temas como experiências femininas em processos seletivos, maternidade na vida acadêmica e as perspectivas para um futuro mais igualitário.
Na abertura, o diretor da FCFRP, Sérgio Akira Uyemura, destacou a importância de um espaço aberto para a reflexão sobre o tema. “Esse evento é sem dúvida muito importante para que ocorra a igualdade ao longo do tempo através de mudanças que podem ser debatidas aqui. Para isso, também é necessária a participação de homens e meninos da ciência.”
Foco na liderança
A professora Susana Torresi, do Instituto de Química (IQ) da USP, apresentou o estudo Mulheres e Homens da USP: A divisão sexual da formação superior e das carreiras científicas na Universidade de São Paulo. O levantamento analisou a distribuição de mulheres e homens na comunidade uspiana entre 2000 e 2022 e mostrou que a Universidade ainda tem uma população predominantemente masculina nas áreas de exatas e humanas, mas não nas biológicas.
Susana destacou que, além de números gerais, é fundamental analisar a quantidade de mulheres que conseguem alcançar cargos de liderança. “Como eu explico que em uma área como a de ciências biológicas tem mais graduandas do que docentes mulheres?”, questionou a professora. Ela também comentou sobre o Prêmio USP Mães Pesquisadoras, promovido desde 2022, que reconhece pesquisadoras mães com trabalhos científicos, culturais ou artísticos de excelência.
Equidade é diferente de igualdade
Elizabeth Magalhães, representante da Royal Society of Chemistry (RSC) no Brasil, comparou as estatísticas de gênero do Reino Unido com as do Brasil, destacando que a desigualdade persiste mesmo em países desenvolvidos. “A equidade é diferente da igualdade. Este último se refere a ter números, pessoas que tenham as mesmas oportunidades. Já a equidade é criar programas para que essa igualdade realmente aconteça”, explicou.
Ela ressaltou que políticas como licenças-maternidade previstas em bolsas de pesquisa, como as da Fapesp, são avanços importantes no reconhecimento do impacto dos trabalhos domésticos na vida acadêmica das mulheres. Além disso, Elizabeth mencionou as iniciativas da RSC para entender como fatores socioeconômicos influenciam na permanência das mulheres na ciência.
Contribuições invisíveis
Rogéria Rocha Gonçalves, professora de Química na FFCLRP, trouxe um panorama sobre a participação feminina na ciência, destacando como muitas mulheres foram excluídas do reconhecimento ao longo da história. Ela também pontuou que, no Brasil, a distribuição das mulheres na ciência se concentra principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Entre os desafios persistentes, Rogéria mencionou fatores culturais e sociais, discriminação, assédio em ambientes acadêmicos, dificuldades na conciliação entre maternidade e carreira científica e a necessidade de leis e incentivos para a equidade. “É importante a apresentação das mulheres nessa luta e de homens também que entendam esse problema social. Eu acredito que iniciativas estão acontecendo, mesmo que em doses homeopáticas, mas ainda há muito o que ser feito”, afirmou.
Iniciativas para equidade
Encerrando o ciclo de palestras, Mônica Tallarico Pupo, da FCFRP, apresentou iniciativas para promover a equidade de gênero na ciência. Entre elas, destacou a criação, em 2022, da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP, que trouxe avanços no debate sobre diversidade na Universidade.
Mônica também citou o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Caleidoscópio, financiado pelo CNPq, e criado para estudar e enfrentar desigualdades e violências de gênero e sexualidade. Além disso, falou sobre a Comissão Para Apurar Denúncias de Violência Contra as Mulheres e Gênero no Campus de Ribeirão Preto (CAV Mulheres USP/RP), que acolhe vítimas de diversos tipos de violência.
A professora apresentou ainda dados da FCFRP, onde quase 60% dos docentes são mulheres, mas essa proporção se inverte nos níveis mais altos da carreira acadêmica. Ela também ressaltou que a única reitora da USP até hoje, Suely Vilela (2005-2009), é professora titular da FCFRP, mostrando a necessidade de fomentar a presença feminina nos cargos de liderança.
O evento foi organizado pelas professoras Marília Valli, da FCFRP, e Carmem Cardoso, do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP).
*Estagiária sob supervisão de Rose Talamone