Uso do Rodoanel como via de tráfego interno não contribui para reduzir congestionamentos em SP

Claudio Barbieri da Cunha explica que os benefícios da obra acabam perdendo impacto ao longo do tempo, o que leva à necessidade de outras medidas complementares

 10/12/2024 - Publicado há 3 meses
Por
trecho norte do Rodoanel
Em São Paulo, o Rodoanel foi concebido para desviar veículos pesados – Trecho norte do Rodoanel – Foto: Governo do Estada de São Paulo/Divulgação
Logo da Rádio USP

O Rodoanel Governador Mário Covas, também conhecido como Rodoanel de São Paulo, é um anel rodoviário com cerca de 177 km de extensão total, subdividido em trechos Norte, Sul, Leste e Oeste e que circunda a região central da Grande São Paulo. Seu primeiro trecho foi inaugurado em 2002 e segue uma tendência global presente em grandes capitais, como Londres, Paris, Moscou, Berlim e Madrid, na Europa; Pequim e Bangcoc na Ásia; ou Washington e Atlanta, nos Estados Unidos, que implementaram sistemas viários para circundar as cidades.

Segundo Claudio Barbieri da Cunha, professor da Escola Politécnica (Poli) da USP, a ideia central desses anéis viários é diminuir o trânsito nas regiões centrais ao redirecionar veículos de passagem, como caminhões e carretas, para rotas externas que circundam as cidades. Contudo, os benefícios dessa estruturação precisam ser analisados com cautela, já que, mesmo conseguindo evitar que o tráfego de passagem passe por dentro das cidades, ela também gera um efeito colateral de indução de demanda. “As pessoas percebem que conseguem chegar nas áreas centrais mais rapidamente, e ele acaba levando a um espalhamento da cidade. No fundo, o congestionamento acaba voltando”, explica.

Homem branco, meia idade, empunhando um microfone e trajando paletó escuro sobre camisa vermelha
Cláudio Barbieri da Cunha – Foto: IEA/USP

Desafios de São Paulo

Em São Paulo, o Rodoanel foi concebido para desviar veículos pesados, especialmente aqueles em rota para o Porto de Santos, como afirma o especialista — durante o dia, as restrições de circulação forçam esses veículos a utilizarem a via pedagiada; no entanto, em períodos noturnos e finais de semana, muitos motoristas evitam os custos de pedágio e optam por trafegar pelas marginais, como a Tietê e a Pinheiros, causando desgaste no pavimento, aumento da poluição e do ruído. “A própria Prefeitura se queixa muito que esses caminhões acabam danificando o pavimento das vias, que não estão preparadas para suportarem veículos tão grandes”, alerta Barbieri da Cunha.

Outro desafio está no uso crescente do Rodoanel como via de tráfego interno na metrópole — problema que não é exclusivo de São Paulo. Com maior acessibilidade, regiões próximas ao anel viário atraem moradores, transformando o que deveria ser uma rota de passagem em mais uma opção de deslocamento local. “Nos trechos onde o Rodoanel foi inaugurado há mais tempo, hoje já está congestionado, porque está sendo utilizado também como uma via de movimentação interna na metrópole”, observa o especialista.

Impactos

Barbieri da Cunha alerta que vias com elevado volume de tráfego, como a Marginal Tietê, podem provocar acidentes no trânsito da cidade. “Quando você imagina veículos muito grandes convivendo com veículos de passeio e moto, em vias com um número muito grande de faixas, entradas e saídas, e por muitas horas, é natural que isso acabe ocasionando mais acidentes. São fluxos de tráfego que não são muito compatíveis entre si e o risco de acidentes é maior”, aponta. O que se espera é que, com o Rodoanel completo, ocorra a retirada de parte desses veículos das marginais e, consequentemente, os acidentes diminuam.

O professor ressalta que os impactos do Rodoanel são amplificados pela falta de alternativas de transporte público integrado. Ele cita que uma solução possível para diminuir o uso da via para passagem interna da cidade seria oferecer estações de transferência eficientes próximas ao anel viário, para que pessoas vindas de outras cidades possam migrar para o transporte coletivo sem precisar entrar de carro em São Paulo. Um exemplo parecido com isso é a estação Imigrantes do Metrô, que permite aos usuários da Baixada Santista acessar a capital sem trafegar pelas Marginais.

Embora o governo do Estado tenha projetos de trens intercidades, como os previstos para Campinas e Sorocaba, o docente questiona a qualidade dessas iniciativas. “O projeto vai um pouco nessa direção, mas um pouco diferente, porque a ideia é que as pessoas passem a não utilizar o carro desde a origem. Mas ainda não está muito claro se, de fato, vai ser suficientemente bom para fazer com que as pessoas deixem de usar o carro e passem a usar o transporte coletivo, que é o que a gente deseja”, afirma.

O caso de São Paulo não é único. Cidades como Atlanta e Pequim também sofrem com o espalhamento urbano e congestionamentos nos anéis viários. Para Barbieri da Cunha, o Rodoanel, embora importante, não é uma solução definitiva — principalmente incompleto — para os problemas de trânsito da capital paulista, o que faz os desafios da mobilidade urbana continuarem a crescer.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.