1888: o ano em que a escravidão não acabou

Dados apontam que há, em todo o mundo, 46 milhões de pessoas submetidas a alguma forma de escravidão

 08/05/2017 - Publicado há 7 anos

Um evento a ser realizado na Escola de Comunicações e Artes da USP, entre os dias 10 e 13 de maio, pretende promover uma reflexão histórica sobre o que a escravidão representou para o País, assim como suas consequências, que perduram até hoje. Um dos pontos fortes do encontro será um debate sobre abolição e encarceramento, a ser realizado em 13 de maio – dia em que se comemora a abolição da escravidão -, às 13h, no Sindicato dos Bancários. Mais tarde, às 16h desse mesmo dia, estão previstas atividades culturais em frente à estátua do abolicionista Luís Gama, no Largo do Arouche.

Cento e vinte e nove anos depois de oficialmente encerrada no Brasil, a escravidão parece não ter chegado ao fim, nem aqui nem em outras partes do mundo. Segundo dados da organização australiana Walk Free Foundation, divulgados no ano passado, há, em todo o mundo, 46 milhões de pessoas submetidas a alguma forma de escravidão – obrigadas a trabalhos forçados, a prestar serviços sexuais ou ainda a honrar, às custas de seu trabalho, compromissos econômicos, como dependência por dívidas.

O professor da Escola de Comunicações e Artes da USP Dennis de Oliveira explica que a escravidão ainda não acabou “porque houve uma transição do modelo de mão de obra assalariada, particularmente nos países da periferia do capitalismo, como o Brasil, de uma forma gradual, controlada e sem uma ruptura com a ordem anterior”. Isso porque, em sua lógica global, o capitalismo articula tanto sistemas de mão de obra de profissões mais sofisticadas quanto condições degradantes de trabalho.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens

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Dennis de Oliveira cita como exemplo a fabricação de celulares ou tablets, os quais têm entre seus componentes telas de cristal líquido e LCD, cuja matéria-prima é um mineral comum em jazidas da República Democrática do Congo. Pois bem, a extração desse minério é feita por meio de mão de obra de crianças escravizadas. “Quando você pega um celular, por exemplo, você tem desde mão de obra extremamente especializada e qualificada dos centros produtores tecnológicos, que ficam nos países do Primeiro Mundo, como também crianças escravizadas que extraem a matéria-prima”, diz ele. “Essa disparidade faz parte da lógica da produção capitalista, e é por essa razão que, ainda no século 21, nós temos esse tipo de situação de pessoas escravizadas.”

Ainda de acordo com o professor Dennis de Oliveira, o que acaba justificando essa discrepância são as relações sociais – o racismo, enquanto ideologia, naturaliza essas hierarquias sociais e acaba por legitimar que populações indígenas, negras ou não brancas se submetam a condições desumanas de trabalho, da mesma forma que as condições de trabalho mais qualificadas tornam-se restritas aos segmentos brancos da sociedade. Trata-se de um processo que vem desde os tempos da colonização das Américas e da África.

Em relação ao papel da mídia de denunciar esse tipo de situação, o professor também é crítico. Segundo ele, os meios de comunicação cobrem os fatos do dia a dia, aqueles que são pontuais, mas o que faz falta é uma cobertura de caráter mais estrutural. Há algum tempo, trabalhadores em condições desumanas de trabalho foram resgatados em oficinas de costura no Brás. O produto de seu trabalho era vendido a marcas famosas do comércio varejista de roupas, os grandes beneficiários em todo esse processo. Não se pode esquecer, porém, que boa parte dessas empresas é anunciante nos meios de comunicação, o que, por si só, compromete qualquer cobertura mais isenta dos fatos. “A cobertura fica enviesada, cobre-se a batida policial, mas não se discute o porquê dessa lógica ainda permanecer no século 21.”
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