Se todos os envolvidos nos atos golpistas não forem punidos, a democracia brasileira estará ameaçada

É o que afirma José Eduardo Faria ao fazer uma análise das consequências dos ataques antidemocráticos de 8 de Janeiro e sugerir soluções para a consolidação da democracia no País

 15/01/2024 - Publicado há 6 meses
Existem vários fatores que levaram aos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023 – Foto: Reprodução/Wikimedia Commons
Logo da Rádio USP

Na última segunda-feira (8), completou-se um ano dos atos golpistas do dia 8 de janeiro, que tinha como objetivo a deposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito democraticamente em outubro de 2022. As sedes dos Três Poderes em Brasília foram invadidas e ocorreram depredações ao patrimônio público. 

Os atos de violência representaram uma ameaça à democracia e um marco histórico da necessidade de seu fortalecimento. O professor José Eduardo Faria, do Departamento de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito  (FD) da Universidade de São Paulo, destaca quais as repercussões dos atos golpistas de 8 de janeiro e quais foram os aprendizados para o fortalecimento democrático.

Fortalecimento da democracia 

A análise dos atos antidemocráticos no Brasil traz uma reflexão sobre os desdobramentos do futuro brasileiro. A democracia é fortalecida após os atos golpistas, devido ao funcionamento das instituições democráticas e porque o Judiciário, principalmente o Supremo, assume um papel bastante ativo, de acordo com o professor.

José Eduardo Campos de Oliveira Faria – Foto: Arquivo Pessoal

“Uma das formas de consolidar a democracia é, no primeiro momento, caminhar na linha de uma punição dos mentores, dos financiadores e dos planejadores. Até o momento, o que nós tivemos foi a condenação de uma raia miúda, tivemos também uma tentativa dos militares, de certo modo, acomodarem a situação e querendo, mais uma vez, uma espécie de negociação.” acrescenta Faria. 

A situação de negociação entre o governo e os militares torna-se um erro, por ocorrer a probabilidade de não existir a devida punição. Além disso, os militares vêm se imaginando como um poder moderador, o que não existe juridicamente – na verdade, eles são um poder desestabilizador, devendo ter a devida punição, explica o especialista. 

“Ao contrário do que aconteceu no Uruguai e na Argentina, em que os militares envolvidos nas ditaduras respectivas desses países foram condenados, aqui nós tivemos uma Lei da Anistia, uma decisão do Supremo que anistiou os militares. Enquanto os militares continuarem sendo anistiados, nós vamos ter instabilidade,” afirma o professor. 

A geração dos atos golpistas

Existem vários fatores que levaram aos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023, mas o professor destaca um dos principais, que ocorreu durante as eleições do ex-presidente Jair Bolsonaro, quando ele se cercou de militares, entre eles, o general Heleno. Esses militares vieram de uma vertente do militarismo dos anos 70, são pessoas com uma visão autocrática e que confundem projeto de poder com convicções pessoais, relata o especialista.

O especialista expõe um trabalho publicado em 2022 pelo Instituto do General Eduardo Villas, que é um projeto para o Brasil até 2035. Faria explica que as propostas acusam o Ministério Público e o Judiciário de serem comunistas e isso demonstra que o grupo que redigiu o programa possui um baixo nível intelectual, expondo a necessidade de uma reforma nas instituições militares brasileiras. 

“Então, isso coloca um ponto que está passando despercebido, que é a necessidade de se rever os mecanismos de formação escolar dos militares do Brasil. Os militares não admitem em hipótese alguma que haja o poder civil interferindo nos currículos das escolas militares, só que, enquanto nós não tivermos uma renovação desses currículos, esse problema continua, ou seja, nós teremos sempre uma tensão desnecessária”, enfatiza o professor.

Punição dos envolvidos

Sem a devida punição dos envolvidos nos atos golpistas, existirá uma ameaça contra a democracia. ”Se nós não tivermos uma punição exemplar não apenas dos financiadores, mas dos mentores, sejam eles civis ou militares, nós teremos a possibilidade de novos enfrentamentos no futuro”, destaca Faria. 

De acordo com o professor, na conjuntura internacional, utilizando como exemplo o Uruguai e a Argentina, após a punição dos militares, desde a redemocratização desses países, não houve mais ameaças dos militares contra a democracia. Na concepção do especialista é muito grave não punir os responsáveis pelos atos golpistas, além de ser um risco para o futuro democrático do Brasil.

A redemocratização e o futuro brasileiro

Desde a redemocratização brasileira, os atos golpistas representaram uma grande ameaça ao sistema eleitoral, que representa a base da democracia. Dentro desses parâmetros, Faria evidencia que, “embora a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro já tenha sido em princípio desmoralizada, você continua tendo uma radicalização política no País”.

O especialista expõe que vai ser possível analisar as consequências das práticas fraudulentas para o futuro brasileiro nas eleições municipais deste ano, que vão abrir caminhos para as eleições de 2026, em que o atual presidente vai ser candidato à reeleição e o bolsonarismo terá que colocar alguém que os represente.

O professor destaca a necessidade de repensar a formação da mentalidade militar no Brasil e utiliza, como exemplo, os relatos de Celso Furtado, que, quando era ministro do Estado e ia à Escola Superior de Guerra, dizia não existir diálogo com os militares. Para Faria, a reforma das escolas militares é uma solução de médio a longo prazo para a consolidação da democracia brasileira.

 


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.