

No entanto, quando o governo apresentou o Auxílio Brasil, que acarretava gasto adicional de menos de 2,5% do total que terá em 2022, uma crise apareceu. O mercado mobilizou-se com veemência, assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes, pediram demissão e a mídia não tem assunto mais importante nos últimos dias. Inúmeros editoriais foram publicados, expondo o desastre que seria o rompimento do teto. Até o ex-presidente Michel Temer (MDB), o inventor do teto, escreveu um artigo na Folha de S. Paulo (“Teto é tudo“) e mostrou-se apavorado com as consequências de se romper o limite da sua cria.
O que ninguém comentou é que, neste momento, 20 milhões de brasileiros não têm o que comer, e os R$ 400 que receberiam mensalmente talvez atenuassem sua fome. Na verdade, 55% da população vivem sob insegurança alimentar e não sabem se conseguirão comprar os mantimentos mínimos para sobreviver nos próximos dias. O fato é que agora temos que colocar quase seis reais para comprar um dólar e, dessa forma, a inflação virá com força nas próximas semanas. Isso sim será inevitável, pois quase tudo o que é produto industrial manufaturado é importado no nosso país. Lembrando que, no começo da pandemia, ficou evidente que nem máscaras já não sabíamos mais fabricar.
O mercado — leia-se a Faria Lima — argumenta que o risco Brasil subiu muito e não teremos mais investimentos vindos de fora. Pelo contrário: os investidores estrangeiros estão retirando seus dólares e, por isso, o preço da moeda sobe. Dizem também que sem os investimentos entraremos em recessão, e a previsão para 2022, de repente, caiu para um crescimento abaixo de zero.
Com inflação e mais recessão, chegaremos à chamada estagflação. Os grandes especialistas que trabalham na Faria Lima, com sua brilhante criatividade, não hesitam em recomendar: temos que subir as taxas de juros, e a Selic precisa ser superior a 10% ao ano. Provavelmente é isso que vai acontecer. Mas ouso perguntar: com a subida da taxa de juros, quem será o grande vencedor?
Sim, claro, esse mesmo mercado formado por bancos, rentistas e investidores que, felizmente para eles, estão fora da insegurança alimentar.
Aliás, recentemente vazou uma gravação para a imprensa e ficamos sabendo que o presidente de um dos maiores bancos brasileiros costuma conversar com o presidente do Banco Central para falar, entre outras coisas, de taxas de juros. Deu para entender quem ganha com as crises fabricadas?
(Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, em 3/11/2021)