Evento vai mostrar impactos do julgamento de Eichmann na América Latina

Pesquisadores do Brasil e do exterior avaliam a recepção da condenação do oficial nazista, ocorrida há 60 anos

 15/10/2021 - Publicado há 3 anos
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O oficial nazista Adolf Eichmann foi condenado à morte por sua participação no assassinato de milhões de judeus no Holocausto – Foto: Reprodução

 

Um dos julgamentos mais famosos do século 20 será alvo de discussão por especialistas do Brasil e do exterior a partir da próxima segunda-feira, dia 18. Trata-se do processo contra Adolf Eichmann, oficial nazista responsável pela deportação de judeus europeus para campos de concentração. Refugiado na Argentina após a queda do 3º Reich, Eichmann foi capturado por agentes do Mossad, o serviço secreto israelense, julgado e condenado à morte há exatos 60 anos.

A data é o incentivo para o ciclo de palestras on-line Recepção e Memória do Julgamento Eichmann em Perspectiva Transnacional, que começa no dia 18 de outubro e segue até 14 de dezembro, em encontros semanais. Reúnem-se docentes da USP e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professores e pesquisadores da Alemanha, Argentina e Israel. A organização é do leitorado do Daad (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) da USP e da Universidade de Buenos Aires. O Núcleo de Estudos Arqshoah, parte do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (Leer) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, é um dos parceiros do evento.

“O julgamento de Eichmann tem uma importância histórica em vários sentidos”, comenta Christian Ernst, professor visitante da FFLCH da USP e leitor do Daad. “Não foi só um processo jurídico, mas um julgamento que gerou um debate público. Há uma importância nas esferas públicas dos países envolvidos e proporcionou uma discussão sobre os crimes nazistas.”

De acordo com o professor, um dos legados do processo foi ajudar a posicionar a noção de crime contra a humanidade como uma nova categoria na jurisdição internacional. Além disso, teve influência duradoura sobre a memória da Shoah, a “solução final” dos nazistas para o povo judeu. “O julgamento mostrou a importância dos testemunhos e foi muito relevante para nossa consciência atual sobre a Shoah”, conta Ernst.

Sediado em Jerusalém, o julgamento de Eichmann aconteceu entre abril e dezembro de 1961. Recebeu ampla cobertura da imprensa internacional, sendo Eichmann considerado na época um dos últimos arquitetos do Holocausto que ainda não haviam sido julgados. Uma das análises mais famosas do caso e da pessoa de Eichmann foi feita pela pensadora alemã Hannah Arendt (1906-1975), que elaborou a ideia de banalidade do mal a partir de suas reflexões sobre o nazista.

Adolf Eichmann durante o seu julgamento, realizado entre abril e dezembro de 1961 em Jerusalém – Foto: Reprodução

 

A USP está representada no evento pelos professores da FFLCH Maria Luiza Tucci Carneiro, Luis Krausz e Helmut Galle. Maria Luiza, que é coordenadora do Leer, participa no dia 2 de novembro, abordando a recepção e a memória do julgamento de Eichmann no Brasil. Krausz fala sobre a recepção do processo na cultura israelita, no dia 25 de outubro. Já Galle participa de uma mesa sobre Josef Mengele, o médico do campo de concentração de Auschwitz responsável por experimentos com prisioneiros e que viveu seus últimos dias foragido no Brasil.

“A participação do Arqshoah neste evento se faz muito oportuna”, afirma Maria Luiza. “É importante avaliarmos o impacto das notícias sobre o Holocausto e dos julgamentos dos nazistas no Brasil após a Segunda Guerra Mundial, incluindo os julgamentos de Nuremberg e de Eichmann, porque, ainda nos anos 60, vários fugitivos nazistas haviam encontrado refúgio em países da América Latina. O sequestro seguido da prisão de Eichmann pelo Mossad, assim como seu julgamento em Jerusalém, colocou em situação de insegurança vários nazistas refugiados no Brasil, cuja entrada foi em grande parte acobertada pela Missão Militar Brasileira em Berlim.”

Além de Mengele, outro exemplo desses fugitivos lembrado pela professora é o letão Heberts Cukurs, responsável pelo massacre de Riga e que viveu no Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Cukurs acabou sendo assassinado em Montevidéu em 1965, após ter sido sequestrado pelo Mossad. “Assim, este evento desloca o nosso olhar para a América Latina, que abrigou vários fugitivos nazistas, servindo de rota aos perpetradores do Holocausto”, destaca a professora.

Outra presença brasileira no ciclo é a do jornalista Zevi Ghivelder, que esteve no julgamento de Eichmann como repórter da revista Manchete. Ele dará seu depoimento sobre o processo no dia 14 de dezembro. Como parte dos esforços de resgate da publicação jornalística sobre o tema no País, o Arqshoah pretende disponibilizar em breve, em seu site, matérias sobre o caso que circularam em jornais e revistas do Brasil.

Essa mirada local para os desdobramentos do julgamento de Eichmann é justamente um dos objetivos do evento, conforme explica Ernst. “O ciclo de palestras mostrará a necessidade de se estudar com mais detalhes o impacto do processo nos diferentes contextos nacionais”, afirma o professor.

“Este debate também nos alerta para os perigos do antissemitismo como instrumento de poder, que serviu de fundamento para a execução do plano de extermínio, um plano do Estado alemão que culminou com a morte de milhões de judeus, ciganos, testemunhas de Jeová e homossexuais”, aponta Maria Luiza. “Entendo que retomar a história de Eichmann é também um forma de não esquecer os crimes praticados pelo Estado alemão e pelos países colaboracionistas.”

Vários idiomas serão usados para as palestras, incluindo português, alemão, espanhol e inglês. O evento todo acontecerá pela plataforma Zoom, sempre às 15 horas no horário de Brasília e com participação gratuita. As inscrições podem ser feitas no site do evento, onde também é possível conferir a programação completa e o idioma de cada encontro. Informações podem ser obtidas através do e-mail info@eichmanntribunal60.org.


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