Imagens de artistas são inspiradas na obra de Clarice Lispector  

Inaugurada no dia 6, exposição fica em cartaz até 28 de abril na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP

 09/03/2020 - Publicado há 4 anos
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Refúgio, foto-estampa digital sobre tecido, de Regina Carmona, criada a partir de uma frase de A Hora da Estrela – Foto: Jorge Maruta/ USP Imagens

 

Clarice Lispector, 1972 – Foto: Arquivo Nacional via Wikimedia Commons / Domínio público

“A palavra é meu domínio sobre o mundo”, escreveu Clarice Lispector em A Descoberta do Mundo, de 1984. Ucraniana de nascimento, ela veio para o Brasil com apenas 2 anos de idade no colo de seus pais que fugiam da perseguição aos judeus durante a guerra civil russa. Naturalizada brasileira – dizia-se pernambucana –, chegou a ingressar no curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, então Universidade do Brasil, com a intenção de “reformar os presídios”, mas foi nas letras que encontrou sua paixão. E são as letras de uma das mais importantes escritoras do século 20 que inspiraram os trabalhos presentes na exposição A Imagem e a Palavra – Encontro com Clarice Lispector, que foi inaugurada no dia 6 de março na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP. A entrada é grátis.

Com curadoria da aquarelista Altina Felício, a mostra reúne trabalhos de 32 artistas plásticos, entre gravuras, desenhos, pinturas, aquarelas e instalações, a partir das obras da escritora e jornalista. “Não é ilustrativo, é uma livre inspiração sobre os livros, trechos ou frases que são destacados nas legendas para que o público tenha referências de onde partiu a criação dos trabalhos”, explica a curadora. Além de fazer alusão ao Dia Internacional da Mulher (8 de março), a exposição é uma homenagem aos 100 anos de nascimento de Clarice Lispector, que nasceu na Ucrânia em 10 de dezembro de 1920 e morreu no Rio de Janeiro um dia antes de completar 57 anos, por complicações de um câncer de ovário. Mas não antes de publicar, dois meses antes, um de seus romances mais conhecidos, A Hora da Estrela.

Da esquerda para direita, os artistas Maura Takemiya, Rafael Augustaitiz, Altina Felício, Deucelia Silvério e Ângela Barbour, durante a montagem da exposição – Foto Jorge Maruta / USP Imagens

Um mergulho no universo de Clarice

Ao descer as escadas, os visitantes encontram duas estrelas penduradas no teto, feitas com chapa de aço e pintura automotiva, obra de Maura Takemiya, criada a partir da crônica Eu Tomo Conta do Mundo, mas que poderia facilmente ser reconhecida em A Hora da Estrela, livro que inspirou várias obras da exposição, entre elas fotocolagens de Rafael Augustaitiz e a instalação Refúgio, de Regina Carmona, uma foto-estampa digital sobre tecido, criada a partir da frase “Vagamente pensava de muito longe e sem palavras o seguinte: já que sou, o jeito é ser…”.

As estrelas em chapa de aço e pintura automotiva, de Maura Takemiya, inspiradas na crônica Eu Tomo Conta do Mundo – Foto: Jorge Maruta/ USP Imagens

A personagem Macabéa, também de A Hora da Estrela, é tema da série Carta Para uma Datilógrafa, de Leonor Décourt, que escolheu a máquina de escrever para representá-la, “pois a única coisa que a personagem sabia fazer (e mal) era datilografar”. Macabéa inspira também a xilogravura Retrato de uma Alagoana, de Marisa Mancini, e as echarpes brancas com aquarelas de borboletas de Deucelia Silvério, que segundo a própria artista foram criadas a partir de um sonho de Macabéa, em que ela fala que “maio é o mês das borboletas noivas flutuando em brancos véus”.

As borboletas, mas aqui do livro A Mulher que Matou os Peixes (1968), também inspiraram a artista Cristina Bottallo na criação da pintura, bordado e serigrafia A Cidade das Borboletas. A artista Lucila Sartori criou uma barata de pedra e papel inspirada no personagem de A Paixão Segundo G. H. (1964), que no final come uma barata, numa metáfora da existência. “Como sempre, Clarice escreve sobre coisas cotidianas, mas com uma história que vai no fundo da alma”, comenta a curadora.

Uma barata criada em pedra e papel por Lucila Sartori remete à personagem de A Paixão Segundo G.H. – Foto: Jorge Maruta/ USP Imagens

Destaque ainda para o livro Laços de Família (1960), que é representado na instalação A Censura Não Tem Tamanho, criada a partir de materiais recicláveis por João Maia, e em Site Specific, de Ângela Barbour, em que a artista usa peças que pertenceram a seu pai, um advogado que morreu durante a construção do trabalho e que, segundo ela, é um resgate desse momento. Já o livro Água Viva (1973) se faz presente nas fotocrônicas Clarice em Mim, de Regina Azevedo, e na instalação de fios em formato de água-viva Vida, Luminosa, de Lourdes Sakotani; Um Sopro de Vida (1978), uma constante na obra de Clarice Lispector, aparece nas monotipias de Vicencia Gonsalez e de Beth Pachinni.

A instalação Vida, Luminosa, de Lourdes Sakotami, em alusão ao romance Água Viva de 1973 – Foto: Jorge Maruta/ USP Imagens

Há também obras que falam de imagens e palavras, “duas vertentes sublimes da arte”, segundo a curadora Altina Felício, que apresenta duas gravuras a partir de uma extensa pesquisa sobre como as letras surgiram no mundo. “Tem os primeiros registros, como cuneiforme, hieroglifo, até o alfabeto moderno, e de vários países, da China, da Grécia, da Turquia, do Irã, entre outros”, informa. Finalmente, vários trabalhos prestam homenagem à própria Clarice Lispector, como a pintura Uma Casa para Clarice, de Katia Canton, a instalação de cerâmica Pensando Clarice, de Norma Grinberg, e até um haikai, Homenagem para Clarice, de Carlos Roberto Bueno: “Fazer poemas para a mesmice é fácil/ mas para você que era várias/ que era planície e montanha / superfície e entranha é difícil”.

Homenagem da ceramista Norma Grinberg para Clarice Lispector – Foto: Jorge Maruta/ USP Imagens

A exposição A Imagem e a Palavra – Encontro com Clarice Lispector fica em cartaz até 30 de abril, de segunda a sexta-feira, das 10 às 18 horas, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. Mais informações pelo telefone (11) 2648-0841 e no site da BBM


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