Criatividade do músico tem lugar em partituras para coral

Tese defendida em concerto mostra que estudo da partitura permite interpretação criativa sem deixar de lado indicações do compositor

 19/04/2018 - Publicado há 6 anos
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Na composição para coral Romaria, autor indicou pausa na partitura após “gracinhas”; nos ensaios, pausa foi mantida, porém os cantores passaram a cerrar os dentes ao pronunciar a palavra, para ressaltar o nervosismo do personagem da música – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

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O espaço da criatividade do músico ao interpretar uma composição escrita para coro é tema de uma pesquisa da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. A partir da experiência como regente assistente de um coral, o músico Fred Teixeira buscou entender as indicações de andamento, dinâmica, timbres e caráter musical que o compositor coloca na partitura. O trabalho mostra que conhecer a fundo essas indicações permite ao músico interpretar com mais liberdade criativa, sem fugir à proposta da composição. Para demonstrar os resultados, o músico regeu o Coro de Câmara Comunicantus da ECA no dia em que defendeu tese de doutorado em performance musical, a primeira nesta linha de pesquisa da USP.

Assista:

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Teixeira cita como exemplo dessa busca um trecho da obra Romaria, composta por Osvaldo Lacerda em 1967, com texto do poeta Carlos Drummond de Andrade. “Nesta parte, ‘Me dá coragem para eu matar um que me amola de dia e de noite e diz gracinhas para minha mulher’, todo o coro canta a palavra ‘gracinhas’ e faz uma pausa”, conta. “Durante os experimentos com o coral, percebeu-se que os cantores poderiam cerrar os dentes em ‘gracinhas’ antes do silêncio, passando uma ideia de nervosismo raivoso. Em resumo, o trabalho procurou construir uma maneira de interpretação sem contrariar a escrita musical.”

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Pesquisa de Fred Teixeira a partir da experiência em ensaios e apresentações de coral mostra que é possível ser criativo sem contrariar as indicações do compositor na escrita musical – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

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“O objetivo da pesquisa é analisar o resultado sonoro obtido a partir da partitura, por meio da realização e observação de todos os processos sonoros necessários para alcançar os objetivos pretendidos, como ensaios, concertos e experimentações das técnicas de regência e canto”, afirma o músico. O estudo analisou peças de Lacerda (1927-2011), que foi pianista e compositor. “Ele possui uma extensa obra, que inclui composições de música orquestral, de câmara e de canto coral, estas últimas estudadas durante o trabalho.”

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Osvaldo Lacerda (1927-2011) é conhecido por escrita musical bastante controladora, para o intérprete realizar no coral exatamente o que foi projetado  na composição- Foto: Marcos Santos / USP Imagens

A escolha de Lacerda se deve ao fato de, além de ser um compositor brasileiro que vem sendo evidenciado por diversas pesquisas acadêmicas, ter como característica mais importante uma escrita musical rigorosa e bastante indicativa. “Quando ele escrevia a música, dava várias indicações, era muito controlador”, diz o músico. O objetivo era fazer que o intérprete, ao se apresentar, realizasse exatamente aquilo que estava projetado na composição.

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Liberdade interpretativa

“Nas partituras, além das notas musicais e do texto do poema, Lacerda fazia diversas indicações de andamento, dinâmica, timbres e caráter musical para o coro e o regente. Assim, um primeiro olhar diante de um trabalho tão indicativo pode dar a entender que o intérprete não tem espaço para ser criativo”, relata Teixeira. “Durante a pesquisa, a partir da vivência dos ensaios e concertos, foi possível descobrir no conjunto da obra do compositor muitos espaços que, ao serem estudados profundamente, permitem uma liberdade interpretativa muito grande.”

Teixeira aponta que o trabalho de doutorado em performance musical prevê uma parte escrita e outra de prática musical, na qual atuará como regente “Ao final do estudo, são dois resultados, o teórico que é a tese, e o prático, que é o concerto”, afirma. O músico atuou durante quatro anos como regente assistente do Coro de Câmara Comunicantus, do Departamento de Música da ECA. “A função envolvia a preparação de ensaios, leituras e estudos de todo o repertório do coro, além de dividir a realização de concertos com o regente titular, Marco Antônio da Silva Ramos, professor de Regência Coral no Departamento de Música da ECA.”

O concerto e a defesa da tese aconteceram no último dia 17 de abril, na sala Villa-Lobos da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP. “O diferencial desse trabalho é que o texto conversa de forma consonante com o resultado do concerto, com a música produzida”, diz o músico. O professor Ramos, que orientou o trabalho, afirma que o estudo apresenta uma metodologia que consegue fazer a junção entre teoria e prática, a qual poderá servir de referência para outros estudiosos na área musical.

Orientado pelo professor Marco Antônio da Silva Ramos (com Teixeira, à esquerda na foto), pesquisa buscou espaço da criatividade na interpretação de peças para coro – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

“As pesquisas sobre performance musical buscam eliminar a distância entre a teoria e a prática, como se não existisse, para que possa ser uma coisa única”, destaca. Segundo o professor, estudos como este se tornam possíveis de se realizar através do Coro de Câmara Comunicantus, que está inserido no Programa Unificado de Bolsas (PUB) da USP. “Este coro está a serviço dos alunos de pós-graduação, onde ficam como assistentes de regência, e atuam no dia a dia, ao construir o repertório e realizar concertos.” Existem ainda outros coros de diferentes perfis que contribuem para a prática e pesquisa e constituem o Laboratório Coral Comunicantus. Os pesquisadores da área integram o Grupo de Estudos e Pesquisas Multidisciplinares nas Artes do Canto (Gepemac).

Mais informações: e-mail pauloteixeira@usp.br, com Fred Teixeira

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