“Uma coisa é ser chefe de Estado, outra é ser estadista”

Livro de pesquisador de Relações Internacionais da USP mostra degradação da função pública e seus efeitos no mundo

 24/10/2019 - Publicado há 5 anos
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Livro reúne escritos do historiador e pesquisador Daniel Afonso da Silva, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP – Foto: Divulgação / Editora Brazil Publishing

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Como compreender os países na atualidade? Como entender a movimentada política brasileira de agora? Olhando momentos históricos, talvez surja um direcionamento. Muito Além dos Olhos Azuis e Outros Escritos sobre Relações Internacionais Contemporâneas (editora Brazil Publishing) é uma reunião de escritos sobre o meio internacional contemporâneo de Daniel Afonso da Silva, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri) da USP. 

A obra se dedica a observar episódios que culminaram em um novo momento, com “chefes de Estado medíocres” nas palavras do autor. Seus 13 capítulos podem ser divididos em três temas: a relação entre França e Brasil desde 1964, a política externa norte-americana e a política interna brasileira, em um movimento do passado para o presente. 

Daniel Afonso da Silva é historiador formado pela USP e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais – Foto: Arquivo Pessoal

“Uma reconstituição da história do mundo a partir da diplomacia desses três países. Existe um tipo antigo de se fazer política e de ser um homem de Estado, um estadista. Isso se perdeu. É outra realidade, que destrói autoridades políticas. E  abre caminho para os medíocres”, conta o autor.

Alguns episódios são analisados, como a vinda do general francês De Gaulle em 1964 e a recepção do presidente Tancredo Neves pelo então presidente da França, François Mitterrand, além de como essa relação foi “se esmaecendo” nos governos de José Sarney e FHC.

Também são abordados os governos norte-americanos dos ex-presidentes George W. Bush e Barack Obama, do 11 de Setembro à crise econômica de 2008, um dos principais pontos da análise de Daniel Afonso. “Nesse período da política externa dos EUA, foi redesenhada a cartografia diplomática mundial.”

O Brasil ganha seu destaque em análises sobre a retórica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, posteriormente, de Dilma Rousseff em passagens que marcaram seus mandatos. O primeiro por conta da reação frente à crise que assolava os países centrais, como as declarações do ex-presidente classificando os efeitos aqui no Brasil como “marolinha” e, quando estava ao lado do então premiê britânico, Gordon Brown, afirmando que “a crise foi causada por gente branca de olhos azuis”. Em relação ao governo Dilma, a reflexão é sobre sua atuação diante da onda de protestos no ano de 2013.

Todos esses e outros momentos foram compilados com um objetivo: “a tentativa de mostrar que uma coisa é ser chefe de Estado e outra é ser estadista de verdade”. Segundo o historiador formado na USP, o Brasil, os Estados Unidos e a França e seus atuais líderes são países importantíssimos dentro do cenário global e precisam de perfis de estadistas à sua frente por conta das suas complexidades. “No século 21, em especial depois da crise em 2008, deixamos de ter esses estadistas.”

Os presidentes dos Estados Unidos e da França, Donald Trump e Emmanuel Macron, em comemorações do 14 de Julho na França – Foto: Shealah Craighead/White House

Um perfil desenhado por Daniel é o de pessoas com competências técnicas, profissionais na política, com alta respeitabilidade. Esse quadro de políticos mudou nesses três países, com pessoas de fora do espectro, chamados outsiders, assumindo esse papel. “Temos uma fragilização. Primeiro, com a comunicação e sua fragmentação. Segundo, a crise financeira, que gerou um desemprego endêmico, uma destruição da classe média”, explica.

“A reflexão do livro parte da afirmação de Josep Fontana i Lázaro, pensador catalão. Essa crise internacional de 2008 tem produzido quebras de pactos e conquistas sociais, degenerações que nem o nazismo e o fascismo conseguiram juntos.”

Com apresentação do diplomata brasileiro Rubens Ricupero e prefácio do professor formado pela USP e também pesquisador do Nupri, Henrique Altemani de Oliveira, Muito Além dos Olhos Azuis e Outros Escritos sobre Relações Internacionais Contemporâneas afirma em sua descrição que “a porteira do dissenso segue aberta e sem previsão de contenção”. 

Um possível caminho de solução apontado por Daniel Afonso em sua obra é “um apelo a todos: ou recompomos os pactos sociais, educacionais, políticos, ou seguimos nessa tragédia. É uma fase delicada do meio internacional.”

Serviço

Muito Além dos Olhos Azuis e Outros escritos sobre Relações Internacionais Contemporâneas, de Daniel Afonso da Silva, Editora Brazil Publishing, 293 páginas, R$ 59,00.


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