Quando você viaja para um país e não compreende o idioma que é usado por aquela sociedade, é comum ter uma sensação de desconforto. Mas isso não nos impede de apreciar a beleza e o valor daquela língua incompreensível.
Encarar a matemática da mesma forma como lidamos com uma linguagem desconhecida talvez seja um dos caminhos para que os não matemáticos se sintam menos estrangeiros diante dessa ciência. Mesmo sem compreender tecnicamente o significado de uma equação, o pesquisador português Rogério Martins explica que isso não deve nos impedir de enxergar a beleza e a relevância do conhecimento matemático.
“Nós podemos gostar muito de ver alguém tocando piano e nunca nos inscrevermos em uma escola de piano e, portanto, desfrutar apenas da obra completa. É isso que faço com os meus programas em Portugal: é como fazer um concerto, de forma que o meu público possa apreciar a obra matemática, possa apreciar as relações, as ideias bonitas, sem ter de ver a parte mais técnica, que também está presente em muitas outras coisas. O pianista passou anos desenvolvendo a sua técnica, estudando coisas difíceis, mas no final ele pode maravilhar os outros só mostrando como toca. No fundo é o que eu faço com o programa Isto é Matemática”, explica.
Ao comparar seu trabalho com o de um pianista, Rogério Martins nos ajuda a compreender que, mesmo não dominando a técnica matemática, ainda podemos apreciar essa ciência. Talvez seja por isso que o programa que criou e apresenta na TV em Portugal faça tanto sucesso mundo afora.
O programa é totalmente dedicado à divulgação da matemática, está na 11ª temporada e já conquistou diversas distinções: foi premiado pela Mostra Internacional de Ciência na TV VerCiência 2013 e nomeado para o European Science TV & Media Awards, na categoria de melhor programa geral televisivo, em 2014.
“Eu costumo dizer que não há uma forma certa ou errada de fazer divulgação científica. Nós podemos ser muito exuberantes porque queremos atingir um grande público, que é o tal entretenimento e, assim, fazer a divulgação como quem faz uma novela. Quando eu faço os episódios do meu programa, as preocupações são essas: arranjar uma história, criar um enquadramento, uma tensão, um desfecho, depois embrulhar tudo com humor. Ou seja, são exatamente as mesmas técnicas de quem faz uma novela ou um pequeno programa de entretenimento.”
Martins é professor da Universidade Nova de Lisboa e se tornou “o rosto da matemática em Portugal”, como foi apresentado antes de iniciar sua palestra no Congresso Internacional de Matemáticos (ICM) 2018, no Rio de Janeiro. Curiosamente, quando estava no ensino médio, ele confessa que não tinha uma grande paixão pela matemática.
“Na verdade, o que me apaixonava era a filosofia. Eu adorava a filosofia, adorava as ideias, relacionar as coisas, adorava ter argumentos para provar algo e discutir coisas. Quando eu me apaixonei pela matemática, foi quando descobri que a matemática era sobre ideias. Na verdade, a matemática para mim não é tanto sobre fazer contas, que é com o que as pessoas estão habituadas e normalmente identificam como matemática. Para mim, matemática são as ideias por trás das contas. Cada equação tem uma história. Então eu sempre gostei muito desse lado mais filosófico que está por trás da matemática. Eu até costumo dizer que a matemática é como se fosse um campo da filosofia muito especializado.”
Promovido pela Sociedade Portuguesa de Matemática, o programa Isto é Matemática também está disponível no Youtube e tem sido usado como material didático nas salas de aula em Portugal, em El Salvador e no Brasil. Se você nunca assistiu a um dos episódios, vale a pena conferir. É uma excelente oportunidade para quem quer se divertir e se sentir menos alienígena no mundo dos matemáticos.
Ouça acima a entrevista com o matemático Rogério Martins.
Denise Casatti, especial para o Jornal da USP