Despertar nos alunos da educação básica o gosto pela matemática e pela ciência em geral, motivando esses estudantes na escolha profissional pelas carreiras científicas. Esses são alguns dos objetivos da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Este ano, a competição reuniu 18,2 milhões de estudantes das redes pública e privada. Na tarde desta quinta-feira, 2 de agosto, 575 desses jovens, vindos de todo o Brasil, receberam suas medalhas de ouro em uma cerimônia especial realizada durante o encontro mundial de matemáticos, o ICM 2018, que acontece no Rio de Janeiro até dia 9 de agosto.
O que poucos sabem é que a OBMEP possibilita a muitos desses jovens terem seu primeiro contato com as universidades públicas, porque os alunos premiados podem participar do Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC). Quem mora em São Carlos tem a oportunidade de participar de encontros, que são realizados aos sábados, no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP. “Uma das coisas que a OBMEP e o PIC fazem é levar esses jovens a descobrir que podem fazer uma universidade pública e passar”, conta Ires Dias. Professora do ICMC, ela é uma das coordenadoras orientadoras do PIC no interior do Estado de São Paulo e acompanha, há 13 anos, a trajetória de estudantes da região de São Carlos premiados na OBMEP.
Ires relata que, ao participar do programa, os estudantes aprendem a raciocinar e a escrever, o que contribui para que sejam estimulados a optar por carreiras em diversas áreas do conhecimento: “A gente não está formando só matemáticos e candidatos à Medalha Fields, estamos colaborando com todas as áreas”.
Muitos desses premiados tornam-se alunos da USP. Esse é o caso de Heitor Sousa Borges que ingressou este ano no curso de Relações Internacionais. Aos 17 anos, com a medalha de ouro da OBMEP no peito, Heitor conta que participa da competição desde o primeiro ano do ensino médio, quando conquistou a medalha de bronze. No ano seguinte, foi a vez de ganhar prata. O garoto revela que o estímulo da família foi fundamental: “Meu pai sempre esteve ao meu lado, ensinando matemática e me incentivando a participar de todas as olimpíadas que eu pudesse”.
A relação da família de Heitor com a USP é bastante estreita. O pai, Herivelto Martins Borges Filho, é professor no ICMC e a irmã está cursando Arquitetura no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP, em São Carlos. “Durante o ensino médio, eu tinha afinidade com várias matérias diferentes. Então, quando fui escolher qual graduação queria, foi um desafio. Eu pensava em direito, relações internacionais e matemática pura”, conta Heitor. “Considerei que relações internacionais é o que eu quero levar para minha vida, mas não necessariamente eu vou excluir matemática, sempre dá para incorporar, independentemente da profissão. Acho que hoje em dia é muito importante você construir habilidades em várias áreas”, completa o estudante. Tanto que Heitor pretende continuar estudando matemática, já que receberá uma bolsa da OBMEP concedida aos medalhistas que desejam fazer iniciação científica depois de ingressar na universidade.
Heitor explica também que a matemática que se aprende na OBMEP é muito diferente da matemática comum, ensinada nas escolas de modo geral: “É uma matemática muito mais focada em desenvolver nosso raciocínio lógico e criatividade, que sempre serão úteis para a nossa vida em qualquer área que a gente decida atuar”. A mãe de Heitor, Elizabeth Sousa, que é analista de sistemas, completa: “Ter esse raciocínio lógico bastante desenvolvido possibilitou ao Heitor estabelecer relações entre diferentes áreas do conhecimento. Por exemplo, quando ele vai estudar história, consegue compreender por que as coisas aconteceram daquela forma e isso o estimulou a ir para o lado das Humanas”.
Para o pai de Heitor, é fundamental que a família e a escola estimulem os jovens a participar da OBMEP. “A matemática é um bicho-papão não só no Brasil, o analfabetismo matemático é um fenômeno mundial. É essencial trabalharmos em direção à superação do medo e eliminar esse estigma negativo da matemática. A experiência mostra que, quando os alunos têm uma bagagem matemática, é natural que eles se saiam bem nas demais disciplinas”, ressalta Herivelto, que faz parte do comitê organizador do ICM 2018.
Hexacampeão
Outra história inspiradora é a de Lauder Leal, que, durante quatro anos consecutivos, participou do Programa de Iniciação Científica Jr. no ICMC. “Antes de fazer a iniciação científica júnior, eu não imaginava cursar uma faculdade. Depois é que comecei a pensar em qual curso queria fazer”, conta o estudante. Em seu primeiro ano de OBMEP, quando ainda era aluno na Escola Estadual Jesuíno Arruda, em São Carlos, Lauder ganhou apenas uma menção honrosa. Apenas depois de participar do PIC pela primeira vez é que conquistou o primeiro ouro e nunca mais parou.
O garoto recebeu sua sexta medalha de ouro no mesmo palco em que, no dia anterior, foi entregue a Medalha Fields, popularmente conhecida como o Prêmio Nobel da matemática. Três medalhistas Fields estavam presentes na cerimônia de premiação da OBMEP: o italiano Alessio Figalli, o brasileiro Artur Avila e o francês Cédric Villani, respectivamente vencedores da honraria em 2018, 2014 e 2010.
Para Lauder, assistir à entrega da Medalha Fields e conhecer alguns medalhistas é um estímulo para sua futura carreira na área de matemática: “Normalmente, quando a gente pensa nos grandes matemáticos da atualidade, não pensamos que eles são pessoas normais. Mas depois de vir aqui, a gente percebe que eles passam pelas mesmas dificuldades que qualquer um de nós, eles têm as mesmas experiências, a única coisa é que eles se esforçaram para chegar onde estão. Se a gente se esforçar, não chegaremos necessariamente no nível em que eles estão, mas com certeza conseguiremos ter sucesso”. Depois de conquistar a sexta medalha de ouro, Lauder ganhou uma bolsa de estudos da Fundação Getúlio Vargas e está cursando o primeiro ano do curso de Matemática Aplicada.
Motivação
Ao longo do tempo em que atua na OBMEP, a professora Ires Dias já perdeu a conta de quantos estudantes ingressaram na USP depois de participar do PIC. “A gente trabalha com mais de 80, 90 alunos por ano na região de São Carlos. Você não muda a vida de todos eles, mas se transformarmos a vida de 10%, já é um sucesso”, ressalta.
Professora da USP há 32 anos, Ires revela de onde vem a motivação que a faz continuar trabalhando com os estudantes da OBMEP há 13 anos: “Nesse tipo de trabalho você vê o resultado, você está com eles acompanhando. Então, eu acho que isso faz com que a gente continue, apesar de todas as dificuldades”. Assim como Ires, muitos outros professores e alunos da USP trabalham em prol das olimpíadas científicas e estão ajudando a transformar a vida de muitos jovens do nosso país.
A OBMEP é organizada desde 2005 pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada, com apoio da Sociedade Brasileira de Matemática. A partir do próximo ano, a competição será ampliada e também poderão participar estudantes das 4ª e 5ª séries do ensino fundamental.
Ouça no áudio acima a entrevista com a professora Ires Dias.
Denise Casatti, especial para o Jornal da USP