
A produção de carne bovina é uma das atividades com maior impacto ambiental no Brasil. Milhares de hectares são desmatados todos os anos para se tornarem área de pasto, e o próprio gado emite metano, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa.
Paradoxalmente, mudar a maneira como o País financia a pecuária pode ser a chave para promover modelos de criação bovina diferentes, com menor impacto ambiental e avançando no sentido da produção sustentável, que busca compensar a emissão de carbono e outros gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera. Silvio Candido, professor da UFSCar e pesquisador parceiro da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP, explica melhor a relação entre verba e impacto.
De onde vem o dinheiro?

Conforme explica Candido, no Brasil apenas metade da verba que financia a produção de gado bovino vem dos produtores. A outra metade vem da política pública de financiamento rural, que destina dinheiro estatal e de outros bancos para os produtores rurais. “Em 2023, por exemplo, a quantia foi de cerca de 60% do PIB agropecuário. Ao longo dos últimos anos, a parcela dos bancos [que realizam o financiamento] tem se ampliado, sobretudo devido a restrições fiscais,” exemplifica.
Essa maneira de destinar verbas indiscriminadamente aos produtores promove a improdutividade, porque na maioria dos casos a pecuária é utilizada mais como justificativa de ocupação de terras do que uma atividade que enfatiza o alto desempenho, operações eficientes e resultados.
“O mais grave é que ela é o principal vetor de desmatamento ilegal de importantes biomas brasileiros, como o Cerrado e a Amazônia. Isso gera impactos dramáticos também sobre serviços ecossistêmicos, a biodiversidade e os direitos humanos de populações tradicionais. O crédito rural tende a promover esse modelo, porque não condiciona os empréstimos a melhorias produtivas significativas”, argumenta Candido.
Segundo o professor, o modelo atual de financiamento rural também tende a beneficiar médios e grandes produtores em detrimento dos micros e pequenos, aprofundando ainda mais a desigualdade rural.
Inverter a lógica
Mudar o destino da verba pública alocada e estabelecer filtros nos programas de financiamento pode mudar o cenário atual. É preciso interromper empréstimos para os produtores envolvidos no desmatamento ilegal, na invasão de áreas protegidas e na lista suja do trabalho escravo. A criação de programas federais visando à sustentabilidade também é de vital importância para a transição: “Avanços básicos, mas importantes, já aconteceram nas últimas décadas, como a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O Programa Agricultura de Baixo Carbono (agora chamado RenovaAgro) indica um caminho promissor: o de vincular a concessão do crédito à adoção de tecnologias mais sustentáveis. Entretanto, na última década ele concedeu, em média, somente 2% do total do crédito rural”, explica Candido.
“Toda a oferta de crédito rural deveria ocorrer em seus moldes e seria fundamental que mais tecnologias associadas à pecuária regenerativa fossem incluídas no programa. Para que a parcela do crédito rural concedida aos pequenos produtores se amplie é fundamental que essa política se articule com a de assistência técnica para esse público, que precisa ser fortalecida”, finaliza o pesquisador.
Jornal da USP no Ar
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular.