Privatização parece não estar dando muito certo no setor de energia elétrica

De acordo com Raquel Rolnik, é o que se pode constatar após os recentes episódios envolvendo a Enel e sua aparente incapacidade de resolver os problemas decorrentes dos contínuos apagões em São Paulo

 16/11/2023 - Publicado há 8 meses
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Parece que a Enel, que comprou a nossa distribuição de energia em São Paulo em 2018, que antes era AES Eletropaulo, está tendo um desempenho para lá de sofrível. E essa tempestade só agudizou alguma coisa que já vinha sofrendo com reclamação atrás de reclamação.

O lucro da Enel, que, em 2019, era de R$ 77 milhões, no final de 2022 já era de 1,5 bilhão. Ou seja, a Enel não está absolutamente com problemas de caixa ou de rentabilidade do serviço. Evidentemente que isso tem a ver com uma piora do serviço, mas a questão da piora do serviço estava um pouco no DNA da discussão da privatização. A ideia era de que as companhias privatizadas pudessem oferecer um serviço mais barato e mais eficiente, que é um pouco o que aconteceu com a telecomunicação. Mas absolutamente não foi o que aconteceu com as companhias de energia elétrica.

Depois de uma tempestade do início do mês veio um apagão, um caos no setor de energia elétrica. Foram mais de seis dias sem energia em vários locais. Com tudo isso, a Enel  justificou: “Teve um temporal, derrubou árvore, a rede é toda aérea e no meio das árvores foi absolutamente complexo poder cuidá-las”. De fato, há também uma questão junto com essa que é o tema do enterramento dos fios.

Vamos entender essa questão. Em primeiro lugar, é importante ressaltar aqui que a Enel tem um convênio com a Prefeitura de São Paulo, com a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, e ela pode, ela tem total autonomia para fazer remoções e podas. Depois, ela tem que fazer um relatório justificando isso, mas a companhia elétrica tem plena condições.
A discussão realmente do enterramento é aquilo que colocaria não só toda essa fiação que está nesses postes, que é um verdadeiro emaranhado na cidade, um perigo, um problema da paisagem urbana enorme, mas também a própria gestão disso. A solução são galerias técnicas, que seriam galerias subterrâneas onde o conjunto da fiação não só elétrica, mas que também todas as teles também possam ser compartilhadas e enterradas.

Entretanto, como no processo de privatização não foi previsto, os municípios enfrentam uma chave de braço dificílima com as agências reguladoras, de um lado, e as teles e elétricas, do outro, porque em São Paulo, por exemplo, desde 2005, tem uma lei que obriga o enterramento. Só que as companhias conseguem uma liminar dizendo “não, a concessão é federal e nós não precisamos enterrar”. Mas, na verdade, é muito alto o custo e elas não querem abrir mão de forma nenhuma do lucro. Por outro lado, as agências reguladoras, ao invés de defender o consumidor e o interesse público da cidade, acabam defendendo as próprias empresas, as próprias companhias.

Mesmo assim, em São Paulo, a partir de uma ação do Ministério Público, foi lançado um programa, desde 2017, que é São Paulo Sem Fios, e a ideia era uma meta de ter 62 km de fios enterrados numa ação conjunta entre, na época, AES Eletropaulo e a TelComp, que é uma articulação das teles. Isso começou a ser implantado muito lentamente. Só para se ter ideia, a meta era 62 km até 2020 e agora já virou 62 km até 2024. E a gente não chegou nem aos 30 km, ou seja, esse é um debate que precisa ser feito e uma ação absolutamente coordenada no âmbito federal e no âmbito municipal para que a gente possa finalmente ter as galerias técnicas na nossa cidade.


Cidade para Todos
A coluna Cidade para Todos, com a professora Raquel Rolnik, vai ao ar quinzenalmente quinta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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