Plataforma nacional ligada ao SUS centraliza informações de conflitos sobre o direito à saúde

Elival da Silva Ramos fala sobre a alta judicialização de demandas por medicamentos e tratamentos no sistema de saúde brasileiro, o que levou à criação de uma plataforma para centralizar as informações e oferecer respostas a esses problemas

 Publicado: 04/07/2024
A situação da judicialização das demandas de saúde é agravada por decisões subjetivas dos juízes – Foto: Elza Fiúza/Agência BrasilR
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A partir da análise de um recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal foi criada uma Subcomissão Especial de Tecnologia da Informação com o escopo de criar uma plataforma para centralizar as informações acerca das demandas administrativas e judiciais de acesso a medicamentos, disponível para o cidadão e para o Poder Judiciário: a plataforma nacional ligada ao SUS para prevenção de conflitos relacionados ao direito à saúde e à judicialização. O professor Elival da Silva Ramos, do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, esclarece a questão.

A população brasileira tem recorrido ao Judiciário em busca de insumos médicos ligados ao sistema de saúde. Nas últimas décadas, o problema tomou grandes proporções. O professor conta que a questão da saúde no Brasil é tratada em várias frentes. “A questão da saúde no Brasil passa pela Constituição, que assegura o direito à saúde. Mas a norma que está em pauta hoje é uma norma de caráter programático. Medidas de cunho legislativo, que estruturam o sistema do ponto de vista legal, são parte da solução. Há também medidas administrativas, que são tão fundamentais quanto – afinal, sem dinheiro não se faz nada. Nós temos o problema da saúde do campo judiciário discutido em dois níveis: a questão dos planos de saúde da medicina suplementar que envolve aspectos contratuais de defesa do consumidor, que são específicos desse tipo de problema, e a questão do SUS. O SUS envolve muito mais o direito administrativo. A lei que estrutura o sistema prevê a incorporação de procedimentos, tratamentos e medicamentos na medida em que a pesquisa vai avançando. Existe uma comissão que vai examinar isso no Ministério da Saúde, a incorporação de novas tecnologias em saúde. Entretanto, isso não tem evitado a propositura de ações judiciais.”

Elival da Silva Ramos – Foto: Ricardo D’Angelo

Desigualdade de acesso

Ele explica que, apesar dos esforços do Judiciário em resolver essas demandas, a questão envolve uma camada de desigualdade de acesso que dificulta o atendimento igualitário. “O Poder Judiciário tem acolhido essas demandas. Isso tem resolvido as questões da saúde no Brasil? Não, e isso pode ser demonstrado por uma série de estatísticas, que mostram, por exemplo, que regiões mais pobres são regiões com menor judicialização e regiões mais ricas são regiões com maior judicialização, porque o acesso à justiça também não é igualitário. Acabamos tendo uma interferência que vai no sentido exatamente oposto ao que muitos imaginam. Não é no sentido de ter um tratamento mais isonômico e assegurar o acesso às pessoas mais pobres, mas, ao contrário, o acesso é dificultado às pessoas pobres na medida em que as interferências drenam recursos para cumprir decisões judiciais que são majoritariamente vindas de camadas mais ricas.”

A medida atual serve para estabelecer um banco de dados, com o qual gestores públicos podem trabalhar para entender melhor os caminhos e soluções para os problemas em pauta. “Com ela, o gestor de saúde tem noção do que está sendo demandado. Vamos dizer assim, as pessoas estão indo atrás de tal tratamento e tal medicamento, ele pode propor à própria comissão do SUS que examine isso com certa rapidez para evitar ações. Eu diria que essa questão da solução consensual já existe implantada em São Paulo, por exemplo. Boa parte dos medicamentos são fornecidos dessa forma. Mas isso passa por uma decisão consensual. Mas o problema é que há milhares de ações em que o poder público acha que não deve fornecer medicamento por razões técnicas e juízes contrariam a decisão e mandam fornecer mesmo assim”, elucida.

O professor explica que a situação da judicialização das demandas de saúde é agravada por decisões subjetivas dos juízes. ” A gravidade não é propriamente a judicialização, porque judicialização significa entrar com ações em grande quantidade. Isso existe também em outras áreas. Ela indica um problema de demanda. O problema é a resposta que o Judiciário dá. Essa resposta, se pautada pela lei, pelo garantir o cumprimento da lei, está correta. Mas se o juiz se substitui à lei é uma outra coisa e aí nós temos o fenômeno do ativismo judicial, que tem acontecido bastante. Por exemplo, têm juízes que estão decretando o fornecimento de medicamentos que não são nem aprovados pela Anvisa”, finaliza.


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