A especulação financeira nos mercados movimenta diariamente cerca de oito vezes o PIB mundial (US$ 800 trilhões contra US$ 103 trilhões, dados do FMI). Oito vezes: para evitar um crash, e aproximar a riqueza real, produzida, daquela fantasmagórica, sem lastro, precisaríamos anexar mais sete planetas Terra. Isso para a conta fechar. Terça-feira: pânico! Bolsas despencando no mundo todo, Warren Buffet liquidando (no duplo sentido) as ações das big techs, a microvalorização do iene causando uma tremenda ressaca nas operações de carry trade (pegar dinheiro baratinho, a juro zero, no Japão e aplicar onde rende 5% ao ano), rumores de recessão brava nos EUA, a espalhar-se globalmente, o apocalipse já chegou. Quarta-feira: o deus mercado (que não se sabe se é alto, baixo, flácido ou bombado de tanto malhar, mas é sempre nervosinho) acorda sob efeito Prozac e tudo volta aos eixos. Isto é, ao normal, esperto e esperado poker da especulação desbragada.
Você não está entendendo nada? Não se preocupe. Nenhum analista financeiro, de Singapura a Reykjavik, também. Ninguém se arrisca a fazer prognósticos. Aconselham a ficar quieto, a curtíssimo prazo, e arrojado daqui a pouco. E sabem, os sabidos, que uma hora dessas a crise vai explodir. Como as bombas na Palestina ou Ucrânia, ou a pancadaria da extrema-direita na Inglaterra. Nada de novo no front: ninguém desconhece que o deus mercado gira, diariamente, um montante oito vezes superior ao PIB mundial.
As democracias agonizam, mas vamos nos consolar com a simpatia de Kamala Harris. O drama dos refugiados só tende a se agravar, apesar de o Reino Unido ter desistido, ufa!, de deportar os imigrantes ilegais para a próspera Ruanda.
As democracias morrem pelo voto, a destilação de ódio e violência é a norma, a desigualdade aumenta obscenamente, morre-se de calor e até os simpáticos (e ferozes) ursos polares se equilibram com dificuldade em pedaços flutuantes de gelo.
Só há uma certeza: a de que o poder corrompe. Vale reler Simone Weil, a jovem francesa abastada que abandonou casa e carreira para virar ativista, escritora, operária, anarquista e engajar-se na resistência antifascista durante a II Guerra. Criticada tanto pela esquerda quanto direita, seu único princípio era a aversão ao poder, fosse ele a brutal coerção física ou as sutis artimanhas do prestígio. Em Opressão e Liberdade, no princípio dos anos 40, escreveu: “Atualmente, toda tendência política, inclusive os menores grupúsculos, acusa as demais de fascistas, recebendo em troca a mesma acusação”.
Weil morreu em agosto de 1943, de tuberculose. Os mineiros com quem ela convivera lamentaram assim sua morte precoce, aos 34 anos: “Ela não podia mesmo viver. Era instruída demais, e não comia nada”. Comentário de uma malícia sábia, que provavelmente encantaria Weil, combatente da mesquinharia humana.
Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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