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O Ministério da Saúde anunciou que, a partir deste ano, vai substituir gradativamente o uso da dose de reforço da vacina oral contra a poliomielite, conhecida como “gotinha” ou VOP, pela versão inativada, a VIP, nos postos de saúde de todo o Brasil. A VIP é aplicada via injeção intramuscular e, desde 2012, já é utilizada nas três doses do esquema de imunização. Agora, ela estará disponível também para a primeira dose de reforço, aplicada aos 15 meses de vida. A segunda dose de reforço, dada aos quatro anos, deixará de existir.
Início da gotinha (VOP)
A professora Ana Marli Sartori, do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo, conta que a utilização da vacina oral, iniciada no Brasil na década de 1960, foi fundamental para o controle da doença. A sua facilidade de administração, baixo custo e altíssima aceitabilidade pela população, além da popularização do mascote da campanha, o Zé Gotinha, elevaram exponencialmente as taxas de imunização nos brasileiros.
A especialista alerta, porém, que a VOP é composta de vírus vivos atenuados que, no caso da pólio, possui certa instabilidade e, em situações extremamente raras, pode sofrer mutações e acarretar em casos do chamado vírus derivado da vacina. Ela explica que, nas primeiras décadas de imunização, o número de ocorrências de vírus derivado era irrisório, comparado à quantidade de infecções por vírus selvagem, mas, a partir do momento em que a doença começou a ser erradicada, os profissionais atentaram-se a esses casos pontuais.
Mudança para a intramuscular (VIP) em 2012
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Segundo a docente, a vacina intramuscular, conhecida como VIP, é composta de vírus desativado e, por isso, a partir de 2012, substituiu a VOP nas três primeiras doses do calendário vacinal, aplicadas aos dois, quatro e seis meses de vida. A vacina oral continuou sendo aplicada nas duas doses de reforço, administradas aos 15 meses de vida e aos 4 anos.
“Tinham pouquíssimos casos relacionados à vacina todo ano, nada mais do que um ou dois, e esse foi o grande motivo pelo qual foi feita a modificação do calendário em 2012, em que houve a mudança para o calendário básico com a vacina inativada, administrada por via intramuscular para evitar casos de pólio associado ao vírus vacinal’, explica.
Fim da VOP
De acordo com Ana Marli, outro risco associado à vacina oral ocorre em situações de baixa cobertura vacinal, quando a população não está suficientemente imunizada, que é o estabelecimento de uma cadeia de transmissão entre as pessoas e, nessa situação, ela pode causar o retorno do vírus em situação de neurovirulência. Ela afirma que a vacina oral também precisa ser eliminada junto com todo o todo vírus vacinal circulante para que seja alcançada a erradicação completa da poliomielite.
“Então, no planejamento de longo prazo do programa de erradicação da pólio, está prevista a suspensão da vacina oral. Vários países desenvolvidos já não usam mais a vacina oral, os Estados Unidos, por exemplo, só usam um calendário com a vacina inativada e é o que nós vamos ter a partir de algum momento deste ano”, finaliza.
Risco de retorno da pólio
Para a professora Anna Luiza Gryschek, da Escola de Enfermagem (EE) da USP, mesmo que muito remota, existe a possibilidade de que a poliomielite retorne caso a população deixe de se vacinar e de tomar outros cuidados essenciais. Ela afirma que desde 1989 o Brasil não registra casos do vírus selvagem da pólio, mas o saneamento inadequado, a falta de vigilância ambiental, a globalização associada a processos migratórios e, principalmente, a baixa cobertura vacinal podem provocar esse retorno.
“Em 2022, a cobertura vacinal para essa doença ficou em 77,16% no País, segundo o Ministério da Saúde. Felizmente, houve melhora em relação aos anos anteriores, que foram os anos da pandemia, mas ainda assim nós temos uma grande preocupação, porque esses 77,16% ainda estão muito abaixo dos 95% de cobertura vacinal para a poliomielite, que é o que recomenda a Organização Mundial da Saúde para impedir a circulação do vírus”, informa.
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Adesão
Segundo a docente, para levar à maior adesão de pessoas às campanhas de vacinação é fundamental a atuação dos profissionais de saúde no sentido de oferecer à população orientações precisas e adequadas sobre os benefícios associados ao hábito da imunização. Ela crê também que a promoção do governo e de personalidades de visibilidade na mídia contribui para influenciar positivamente as pessoas.
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“Todos os órgãos de promoção da Saúde precisam ser uníssonos no sentido de que a imunização mudou o perfil epidemiológico das doenças transmissíveis e permitiu que todos os cidadãos tivessem uma qualidade de vida melhor”, explica.
De acordo com a especialista, o fim da segunda dose de reforço, aplicada aos 4 anos de idade, além de não oferecer riscos à saúde da criança, também pode contribuir para um maior número de vacinados. “Quando você reduz uma dose e continua tendo uma imunização adequada é muito interessante para a população, então eu acho que essa mudança no calendário favorece ainda mais as coberturas vacinais e a adesão às vacinas”, completa.
Será o fim do Zé Gotinha?
Conforme Anna Luiza Gryschek, apesar do fim da vacina oral, a figura do Zé Gotinha será sempre respeitada entre os cientistas e profissionais da saúde, porque é um símbolo que remete ao sucesso do processo de imunização contra a pólio no País. Sua representação e popularidade entre o público infantil foi fundamental para o processo de divulgação e disseminação das vacinas.
“Ele é uma figura que representou a luta contra a poliomielite e o sucesso no extermínio da doença no Brasil, então o Zé Gotinha sempre estará conosco. Não teremos, portanto, perdas, e, na realidade, isso mostra mais uma vez a preocupação das autoridades competentes no sentido de que as vacinas trazem benefícios e não danos”, finaliza.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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