Cerca de 35 ônibus foram incendiados na Zona Oeste do Rio de Janeiro na última segunda-feira (23). Grupos milicianos orquestraram a ação, que ocorreu logo após a morte do sobrinho de Luís Antônio da Silva Braga, Zinho, líder da organização. O governo do Rio de Janeiro prometeu medidas para maior segurança, que envolvem inteligência, tecnologia e descapitalização das milícias.
Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, jornalista e autor do livro A República das Milícias, relaciona a existência de um Estado fraco com a ascensão dos grupos armados. “Quando a República não exerce um monopólio legítimo da força e delega esse poder para grupos armados nos territórios, você vive uma fase quase medieval”, reflete o pesquisador.
Formação e instabilidade
Um Estado forte é essencial para evitar a ascensão e o sucesso de tais grupos criminosos. Sem essa base garantida, o jornalista esclarece que a crise é resultado do acúmulo do enfraquecimento de instituições como governo, justiça e segurança, nos últimos oito anos, no Rio de Janeiro. “Há essa movimentação de poder: poder republicano institucional ficando cada vez mais fraco e o poder armado nos territórios se fortalecendo”, analisa Bruno Paes Manso.
Com a presença de quatro grupos criminosos – como o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro –, o pesquisador explica que momentos de instabilidade são previsíveis, na medida em que existe uma série de disputas territoriais. “É como se fossem donos de morros e reinados brigando por poder e, quando esses poderes estão em desequilíbrio, eles passam a travar brigas e disputas”, afirma Paes Manso. Essa falta de equilíbrio se constitui após um período de certa tranquilidade para garantir a reeleição do governador Cláudio Costa (PL-RJ) e evitar mudanças no cenário carioca. Com essa condição estabelecida, de acordo com o pesquisador, os grupos retornaram à movimentação por conquistas de mercado e disputas territoriais já durante o primeiro semestre de 2023.
Ação e reação
Para o máximo controle e lucro dos territórios dominados, os grupos milicianos se organizam em diversas atividades, desde a venda de gás e internet até o tráfico de drogas e armas. “Você tem ‘senhores da guerra’ que ganham muito dinheiro com esse medo. Há toda uma economia que gira em torno do medo e que passa também pelas próprias instituições do Rio de Janeiro, que também ganham dinheiro extorquindo esses grupos”, acrescenta Bruno Paes Manso sobre o controle opressor dos milicianos.
Para o enfrentamento dessa situação, o jornalista menciona a necessidade de um real comprometimento dos políticos e da elite local e econômica. No entanto, promover tal engajamento é dificultado pelo governo carioca atual. Dessa forma, Paes Manso pondera que as únicas ações realizadas são os chamados “teatros de guerra”, em que as organizações apenas transpassam a ideia de trabalhar no combate.
Além disso, os casos de prisão precisam ser feitos estrategicamente para afetar a forma como os grupos faturam. Caso contrário, o especialista afirma que há um processo de substituição das pessoas dentro do esquema de economia dos milicianos. “É necessário pensar estrategicamente, compreender o funcionamento da indústria, como eles ganham dinheiro, senão vamos ficar enxugando gelo”, avalia.
Uma possível ação federal poderia focar no esforço do controle da própria polícia e seu papel no crime, segundo o pesquisador, e não apenas promover uma falsa sensação de segurança. “É isso que a gente tem visto há 30 anos e, por isso, realmente a gente chegou a essa situação. Você tem um estado, a alma da cultura nacional, é uma cidade que tem uma importância histórica para o País. Tudo o que o Rio de Janeiro representa para o Brasil e em uma situação sem governo”, lamenta Bruno Paes Manso.
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